NEOLIBERALISMO, REDES SOCIAIS E EDUCAÇÃO: UM RECORTE A PARTIR DE BLACK MIRROR

Carlos Augusto Ferreira Kopp

Resumo


Este trabalho consiste de um desdobramento de minha dissertação de Mestrado, intitulada Neoliberalismo, capital pós-humano e educação: reflexos de Black Mirror, que teve como objetivo compreender como as redes sociais e os sistemas de crédito social ressignificam os processos de desempenho, educabilidade e subjetivação na contemporaneidade. O corpusdiscursivo da pesquisa foi Nosedive, um dos episódios da série Black Mirror. No episódio, somos inseridos em um universo fictício onde a hierarquia social é estabelecida a partir de um sistema de notas no qual as pessoas avaliam umas às outras utilizando-se de um aplicativo em seus smartphones. Quanto maior a nota de cada indivíduo maior é seu acesso a produtos de qualidade ou privilégios como descontos em imóveis ou assentos em aviões. Expressões faciais, reações, gestos e até mesmo a forma como os personagens se vestem são contabilizados em suas notas, fazendo com que o comportamento seja controlado constantemente por aqueles que buscam vencer na vida. Em Nosedive acompanhamos a trajetória da protagonista Lacie Pound, que tem como objetivo aumentar sua avaliação para conseguir comprar uma casa nova. Conforme Lacie vai apelando para diferentes estratégias (bajulações, sorrisos falsos e mentiras), ela vai perdendo controle das situações, é avaliada em zero e termina o episódio atrás das grades.

Apesar do episódio utilizar-se de cenas exageradas, é possível identificar fenômenos da contemporaneidade na série.  Os sistemas de crédito social utilizados na China ainda são elaborados por empresas privadas, mas já apontam para um futuro no qual a avaliação das pessoas será um dispositivo de segurança utilizado pelo Estado no controle e na condução das populações. O Zhima (sistema de crédito social chinês desenvolvido pelo setor privado) possui uma nota baseada em fatores como o histórico financeiro, a formação, os contatos e o comportamento de seus usuários. Para os chineses, as notas são “medalhas de honra” e já são diferenciais em sites de relacionamento, que categorizam o perfil de parceiros em potencial de acordo com seu crédito social.

O referencial teórico-metodológico do trabalho teve como ponto de partida os estudos foucaultianos. Segundo Michel Foucault (2008), o neoliberalismo é um ethos que produz sujeitos a partir da lógica do mercado. Nessa direção, é necessário que cada um responsabilize-se pelo investimento de si, ou seja, que utilize de ferramentas diversas para manter-se no jogo neoliberal. O sucesso (e, consequentemente, o fracasso), são responsabilidade de cada um.

O desenvolvimento dos computadores, celulares e da internet expandiu a responsabilização dos sujeitos frente às demandas neoliberais, tendo em vista que o trabalho deixa de ter um espaço e carga horária definidos e passa a operar de forma mais flexível, exigindo-se que os funcionários permaneçam conectados e disponíveis mesmo fora de seu expediente. Na contemporaneidade, as redes sociais tornaram-se importantes aliadas das empresas, pois fornecem um espaço de maior visibilidade para seus produtos, bem como, a possibilidade de parceria com pessoas influentes para a divulgação de sua marca ou a contratação de celebridades virtuais como forma de garantir uma maior repercussão de determinado produto.

Nessa direção, as redes sociais precisam ser entendidas como espaços de potencialização dos sujeitos, que dispõe destas ferramentas como uma forma de investir e/ou potencializar seu desempenho. Conforme Paula Sibilia (2012) as redes sociais integram uma série de ferramentas de curadoria pessoal, pois proporcionam que cada indivíduo crie sua própria imagem de acordo com aquilo que deseja compartilhar. Além disso, programas de edição como o Photoshop ou o Facetune possibilitam que, através da modificação de fotos, cada um compartilhe apenas o “melhor” de si. As reações (opções na qual os usuários podem mostrar o que pensam de determinada postagem) servem como forma de contabilizar o sucesso de uma postagem. Quanto mais “curtidas”, comentários e visualizações, maior o sucesso do usuário.

De acordo com Gilles Deleuze (1992) o desenvolvimento dos artefatos tecnológicos aponta para uma nova forma de organização das relações de poder, denominada pelo autor como sociedade de controle. A transformação da população em informação, como percebemos em Nosedive ou nos sistemas de crédito social chineses evidenciam que não é mais necessário confinar os corpos, uma vez que já é possível controlá-los (e fazer com que controlem uns aos outros) de forma contínua com seus smartphones.

No que tange à educação, as redes sociais digitais inauguram um novo campo pedagógico onde as pessoas buscam formação para obter seguidores e relevância com seus perfis virtuais. O surgimento de cursos de influenciador digital, YouTuber e marketing digital são reflexos da valorização das redes sociais na contemporaneidade e da potencialidade dessas ferramentas para o investimento de si. O surgimento de perfis de profissões diversas (nutricionistas, médicos, atores e professores, por exemplo) nos apontam que o neoliberalismo está cada vez mais inserido no ciberespaço.

Palavras-chave: neoliberalismo; pós-humano; educabilidade.


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ISSN 2965-0615