"NÃO TEMOS VT": O PROCESSO DE ACOLHIMENTO COLETIVO EM UM CRAS

Bruna Moraes Battistelli, Lílian Rodrigues da Cruz

Resumo


Neste recorte da pesquisa “Práticas psicológicas e políticas públicas de assistência social: entre o risco e a normalização” discutiremos como acontece o acolhimento em um Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). Orienta-se a partir dos estudos de Michel Foucault e de Löic Wacquant. Foram realizadas observações assistemáticas em um CRAS da cidade de Porto Alegre e, a partir destas, a construção de diários de campo. As observações possibilitaram o contato com os grupos de acolhimento. Estes eram coordenados pelas trabalhadoras da equipe técnica e consistiam em momentos de oferta de informações e de benefício eventual, como o Vale Transporte Assistencial (VT).Os grupos de acolhimento parecem funcionar como equivalente a acolhida. Esta constitui o primeiro momento do usuário no serviço, com levantamento de demandas, apresentação do serviço e planejamento dos atendimentos. Os grupos apareciam como possibilidade de atendimento  e mesmo com organização coletiva, os usuários eram atendidos de forma individual, onde cada um contava por qual motivo necessitava de VT. Constatou-se que este era o foco dos grupos de acolhimento coletivo no CRAS. Os motivos eram os mais variados, sendo sempre ressaltado o quanto seriam priorizados os atendimentos em saúde e entrevistas de emprego. Aos usuários que solicitavam o VT era anunciado que precisavam entregar comprovantes justificando a solicitação do mesmo. Durante o processo de observação, poucas vezes esta medida se efetivou. Um controle que também atingia as técnicas que precisavam prestar conta caso o recurso fosse ofertado seguidamente a um mesmo usuário. Todos vigiam a todos, em um modelo aproximado ao do panóptico foucaultiano (1984). O técnico vigia o usuário quanto ao uso que é feito do VT e o técnico é controlado caso esteja ofertando o benefício sem "avaliação consistente". O uso de transporte público é cerceado pela política pública, caso a pessoa não consiga pagar pela passagem que deseja. Mesmo em situações como consultas médicas, não há garantia de que haverá o VT. Assim, um serviço como CRAS encontra-se emaranhado em uma rede de captura, na qual os sujeitos-usuários não conseguem acesso à cidade, por não terem emprego ou serem usuários do Programa Bolsa Família. O cartaz “Não temos VT”, promovia  um esvaziamento do espaço, pois  os usuários não tinham o que buscar no espaço coletivo ofertado, recorrendo ao Acolhimento Individual em caso de alguma demanda. A política de Assistência Social em Porto Alegre encontra-se em momento singular, com muitas dificuldades quanto a sua efetivação. Assim, em momentos como este, o risco é de construção de intervenções desconectadas que produzam um maior controle dos usuários e trabalhadores, ocasionando processos de fragilização de vínculos. A partir de Wacquant (2009), podemos pensar que a precarização dos serviços na Assistência Social vem a responder um modelo de gestão da pobreza, com vistas a garantir a manutenção do público-alvo da política em situação fragilizada e vulnerável a ofertas de trabalho precárias. O processo de efetivação da Política de Assistência perpassa  possibilidades de resistência tanto dos trabalhadores quanto dos usuários com vistas à produção de outras práticas nos serviços. Em relação ao VT, muitos usuários repetiam as mesmas justificativas para terem acesso ao benefício. Fato que pode ser entendido como possibilidade de resistência quanto ao ofertado e aos modos de constituição dos serviços de Assistência Social.

Palavras-chave


Assistência Social; CRAS; Acolhida; Política Pública.

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