COGESTÃO E AUTONOMIA EM UMA OFICINA TERAPÊUTICA DE CULINÁRIA: QUANDO O “RECEITAR” SE TRANSFORMA EM PRÁTICAS DOS USUÁRIOS

Elise Julia Sehn, Vitória Merten Fernandes, Moises Romanini

Resumo


Este trabalho surge a partir das nossas vivências no estágio integrado em Psicologia, em um Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Outras Drogas (CAPS AD III). Partimos da noção dos CAPS enquanto serviços substitutivos da atenção asilar à saúde mental, pensados a partir da reforma psiquiátrica, e tomamos como norteadora do nosso trabalho a Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral aos Usuários de Álcool e Outras Drogas (2003). A Política define que o CAPS AD deve oferecer atenção ambulatorial diária aos usuários de álcool e/ou outras drogas, desenvolvendo uma gama de atividades que vão desde o atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, etc.), até atendimentos em grupos, oficinas terapêuticas e visitas domiciliares, visando a desinstitucionalização e reabilitação psicossocial. Para tanto, demos continuidade às oficinas semanais de culinária iniciadas no serviço pelas estagiárias anteriores, onde o cozinhar poderia produzir prazer, comprometimento e corresponsabilidade aos usuários. Iniciamos as oficinas com uma proposta de trabalho aberta, solicitando a opinião e participação (sempre voluntária) dos usuários. A ideia central consiste em construir, juntamente com os usuários, este espaço que chamamos de oficina terapêutica de culinária, promovendo uma cogestão. Neste sentido, entendemos as oficinas terapêuticas enquanto um importante dispositivo para a expressão de subjetividades e promoção de autonomia, na medida em que o cozinhar passa a tomar novos significados. Os usuários deixam de nos ver enquanto “instrutoras” para se tornarem construtores ativos do espaço da oficina, trazendo receitas de família, voluntariando-se para cozinhar, registrar a receita do dia, acrescentando ingredientes como “pitadas de carinho” e responsabilizando-se com o espaço e os materiais utilizados. A oficina torna-se um espaço de integração, de troca, de afeto e construção de novas formas de perceber a si e aos outros, despertando desejos – “quero fazer um curso e trabalhar como auxiliar de cozinha”, diz um paciente após a oficina – e potencialidades. Percebemos que a oficina tem sido uma atividade importante para o desenvolvimento da autonomia e corresponsabilização dos usuários, na medida em que promove a integração, a participação nas decisões, a experimentação durante o processo de cozinhar, produzir e criar. Enquanto resultados parciais, temos percebido um processo gradual de implicação e responsabilização dos usuários para com as oficinas, que tem sido momentos de integração, experimentação e trocas entre os mesmos. Acreditamos, assim, na ativação de processos criativos, seja na organização da oficina, na escolha e/ou na preparação dos pratos, já que, em diversos momentos, são pensadas receitas novas e adaptações possíveis para o contexto em questão, além do estabelecimento e/ou fortalecimento de vínculos e relações interpessoais, que vão se tecendo durante as oficinas.


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