OS SENTIDOS DO TEMPO: ANÁLISE DE UMA NARRATIVA JORNALÍSTICA SOBRE A HISTÓRIA

Thiago Haas Carlotto, Demétrio de Azeredo Soster

Resumo


Recentemente, a simbiose entre jornalismo e história, intermediada pela literatura, se fortaleceu com o advento de publicações sobre períodos da história, biografias e livros-reportagem que vão além dos textos cotidianos informativos, pois buscam retratar e interpretar determinados momentos históricos com uma linguagem jornalística. Internamente, tais textos trazem a percepção do jornalista, um profissional que procura fatos singulares de interesse público e utiliza a narrativa, uma técnica de escrita proveniente da literatura, para fazer remissões à história e seus personagens enquanto fundo temático. Dessa hibridização, surge um relato complexo, que fala de um passado distante temporalmente do autor e do leitor, num tempo distinto do jornalismo diário. Se antes o jornalista era o especialista em informar o presente, agora ele tem papel substancial na formação intelectual do seu público sobre o passado. Desta forma surge o que motiva este trabalho: o interesse em compreender como um autor jornalista escreve um livro, no estilo de uma grande reportagem, sobre a história do país. Mais objetivamente, como ele se refere ao tempo nesse tipo de relato e quais sentidos emergem dessa construção. Para entender essa relação no texto, fizemos um estudo de caso por meio de tabela no livro 1889: Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil, do jornalista Laurentino Gomes. A obra complementa a trilogia do autor sobre os principais acontecimentos brasileiros no século XIX, iniciada com 1808, sobre a fuga da família real portuguesa para o Rio de Janeiro e 1822, sobre a Independência do Brasil. No trabalho foi possível verificar à luz da ciência narratológica os sentidos que emergem das remissões temporais no texto. Isso porque o livro tem um fato central - a Proclamação da República - e toda remissão temporal para além deste instante possui algum sentido possível de ser reconstituído na sua relação com os estímulos que se quer provocar no leitor, conforme o significado geral da obra. Nas referências ao tempo trazidas na análise, emergem na primeira metade do livro sentidos relacionados à indiferença da monarquia com a população, desde a época de Dom João VI ao envelhecimento do sistema imperial, simbolizado por Dom Pedro II e à insegurança com o futuro da nação nos anos anteriores a 1889, exprimido na princesa Isabel, devotada primeiramente à igreja e depois à nação. No capítulo 18, emerge o total desconhecimento do povo quanto à mudança no sistema de governo, simbolizado na recepção que a Proclamação da República teve no Rio de Janeiro, então capital do país. Nos capítulos finais, emerge a frustração da população com os desmandos dos militares e a manutenção dos privilégios às mesmas classes que os recebiam da Monarquia. O que faz emergir a ausência de uma liderança nacional respeitada por todos, pois na República, assim como no Império, quem continuava a mandar no país eram os coronéis, latifundiários, “donos” de regiões do Brasil, enquanto o povo não tinha voz. Desta forma, como lembra Luiz Gonzaga Motta “As narrativas criam o ontem, fazem o hoje acontecer e justificam a espera do amanhã. A coerência narrativa cria o tempo, o nosso tempo” (MOTTA, 2013, p. 18). Para Laurentino Gomes, está na hora de os brasileiros se apossarem do seu tempo e, finalmente, serem autores de sua verdadeira história.


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