O CASO DA FILHA ASSASSINADA QUE LIBERTA A MÃE: UM INFANTICÍDIO.

ANGELICA AMANDA ANDRADE NASCIMENTO, ROBERTO RADUNZ, OLGARIO PAULO VOGT

Resumo


Os anos que antecederam o fim da escravidão no Brasil foram marcados por enormes contradições. Filhos nascidos de mães escravas, ainda que sob o amparo da lei do ventre livre, eram tratados como se cativos fossem pelos seus senhores. Nessa situação, não eram raras soluções radicais onde cativas atentavam contra a vida de seus filhos para livrá-los da escravidão. Essa comunicação problematiza o infanticídio que ocorreu no município de Rio Pardo, mais especificamente no Distrito do Couto, no ano de em 1881, quando a escrava Leopoldina matou 223sua ingênua filha de apenas nove meses de idade224. Esta pesquisa, vinculada ao projeto 223Escravos, senhores e colonos: redes, conflitos e negociações no Vale do Rio Pardo224, objetiva analisar processos em que escravos são arrolados na condição de vitimas ou de réus. Esta pesquisa tem como objetivo analisar a absolvição da escrava que matou sua filha num aparente contrassenso jurídico. Diante de todas as evidências e da própria confissão da ré, o júri absolveu a condenada por maioria simples de votos. Na decisão, o júri acatou os argumentos do curador que baseou sua defesa apontando para o estado de loucura da escrava. A base empírica é formada pelo processo crime que consta do acervo do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul 226 APERS, N. 113 M. 4 E. 50. Em termos de metodologia, o processo de mais de cem páginas foi digitalizado no acervo do APERS e devidamente transcrito. Além disso, foram buscados dados relativos à criança morta, nos registros paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Rosário de Rio Pardo. Em termos de resultado da transição do processo, a escrava Leopoldina saiu da casa de seu Senhor às nove horas da manhã para lavar roupa no rio com sua referida filha. Como não havia voltado até as três horas da tarde, foi procurada pelo capataz da fazenda, João Rodrigues Machado, que encontrou na beira do rio apenas a roupa que a cativa iria lavar. Voltou à fazenda e arregimentou dois trabalhadores para ajudá-lo na busca das desaparecidas. Encontraram a cativa com um cadarço amarrado no pescoço, com o qual tentava suicidar-se. O corpo de sua filha jazia ao lado com o pescoço quebrado. Sendo perguntado à escrava o motivo de tal crime, respondeu que não sabia, pois deveria ser algo que lhe passara na cabeça. Aberto o inquérito, procedeu-se o corpo de delito. Os peritos constataram que a criança veio a óbito devido a um letal ferimento, tendo assim o pescoço quebrado. Com os resultados do corpo de delito foi possível prosseguir o processo. No ínterim do processo, o senhor da escrava, José Rodrigues de Freitas, abriu mão da propriedade de sua escrava Leopoldina: 223[...] resolvi abandona-la completamente à coesão da justiça pública [...]224. Sendo assim, deixou a acusada livre para julgamento da justiça. No dia dois de junho de 1881 ocorreu o julgamento da escrava, no qual os jurados de sentença decidiram pela liberdade da escrava, basearando-se no fato de a ré ter cometido o crime em estado de loucura e por haver circunstâncias atenuantes a seu favor. Com isso, a escrava Leopoldina ficou absolvida da acusação, tornando-se livre, sendo responsável pelas custas do processo. Pode-se concluir que a tese de loucura usada pelo curador foi acatada pelo júri, argumento comum para crimes dessa envergadura no Brasil imperial. Dessa forma, a escrava ficou liberta, tanto dos grilhões da justiça quanto da exploração de seu senhor na condição de escrava.


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