NARRATIVA AUTOFICCIONAL EM "A RESISTÊNCIA": INTERSECÇÕES ENTRE O REAL E O FICCIONAL

Resumo

O projeto Vozes da cultura contemporânea 2: o narrador na cultura da conexão, ao qual este resumo se vincula, é orientado pela Prof.ª Dr.ª Ana Cláudia Munari e tem como intuito analisar a produção ficcional contemporânea, a fim de encontrar tendências que se relacionem às novas práticas de leitura e escrita. Para tanto, o projeto também se debruça sobre a compreensão das mentalidades contemporâneas. Quando analisamos o comportamento do sujeito hodierno, pela perspectiva sociológica de Lipovetsky (2006), visualizamos os perfis virtuais como um palco no qual o sujeito expressa sua própria individualidade, numa sociedade onde “existir” significa relatar-se numa plataforma virtual. Cientes de que a literatura, enquanto forma artística, reflete ou refrata as rotinas sociais, vemos na “escrita de si” uma tendência de ficção contemporânea, influenciada pelas práticas virtuais e o individualismo que elas provocam. Buscamos, portanto, compreender a convergência destas novas práticas de comunicação com as práticas culturais. Na literatura, o resultado desse encontro se revela na narrativa autoficcional, um espaço de “ficção do eu”, onde narradores e autores se confundem como personagens protagonistas e no próprio processo de escrita. Para compreender estes sujeitos autoficcionais, o presente trabalho visa analisar a obra A resistência (2015), de Júlian Fuks, vencedora do Prêmio Jabuti na categoria romance e integrante do corpus de pesquisa. Apoiamo-nos em Klinger (2007) para compreender a autoficção como uma “máquina” que produz mitos do escritor, que se revelam no texto quando os relatos de vivência do narrador se assemelham a biografia do autor empírico. Esta estratégia pode surgir através da inserção de biografemas (BARTHES, 1984) ou nos trechos em que o narrador simula o processo de escrita. É neste simulacro, entre mentira e confissão, que Diana vê a autoficção como uma performance do próprio autor do texto. Na obra em análise, diversos fatores revelam traços autoficcionais e metaficcionais, ligando consequentemente a biografia do autor e o contexto das vivências do narrador. Os pais do narrador são psicanalistas argentinos que vieram para o Brasil em busca de uma vida tranquila e um contexto político menos instável, da mesma forma, o autor do texto confirmou em entrevista que seus pais, também psicanalistas, realizaram a mesma trajetória. Fuks ainda confessar ter entrevistado seus pais e inserido as entrevistas na ficção; o autor também declara que a motivação para escrever a obra foi um pedido de seu irmão adotivo, inserido na trama “Isso está narrado no livro, essa passagem que ele me pede para escrever.” (FUKS, 2016). Há também um jogo performático, no qual o narrador-protagonista assume estar escrevendo um livro, encenando seu processo de escritura para aquele que o lê. O embate emocional familiar em decorrência da adoção do irmão adotivo, a confissão do próprio autor sobre a introdução de fatos reais no livro e a performance da escritura evidenciam uma conexão intrínseca entre a vida de Fuks e seu narrador. Neste contexto, A resistência apresenta cicatrizes de um período histórico de uma conjuntura conturbada que, assim como o narrador, o autor também carrega. São nas intersecções entre o real e o ficcional presentes em sua escrita que nós focalizamos o nosso objeto de análise.