A BOA-FÉ OBJETIVA NAS RELAÇÕES JURÍDICAS PRIVADAS A PAR DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

Daiana Rosa da Silva

Resumo


As relações privadas dentro de uma nova perspectiva jurídica têm sob a ótica constitucional uma estruturação fundamentada nos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, insculpidos na Constituição de 1988, para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a dignidade da pessoa humana.A interpretação dos institutos jurídicos de direito privado, aplicáveis as relações jurídicas privadas, está alicerçado na compreensão constitucional do princípio da solidariedade.O princípio da solidariedade reflete uma nova consciência de liberdade com responsabilidade, uma vez que a liberdade de um sujeito está correlacionada com o exercício da liberdade do outro. O sistema de liberdades passa a ter na sua essência a responsabilidade do agir individual em favor e pelo bem do outro, sem prejuízo de si mesmo.A base das relações jurídicas privadas está sob os efeitos de um novo modelo interpretativo, em que cada vínculo obrigacional privado passa sob o filtro do princípio da solidariedade.Os direitos humanos, oriundos das declarações de direitos do século XVIII, fundamentados na liberdade e igualdade, trouxeram uma leitura das relações obrigacionais baseadas no individualismo, em que cada um poderiaexercer os seus direitos desde que não invadissem a esfera dos direitos do outro (FRATTON, 2015, p.12). Contudo, a par da evolução dos direitos humanos, o individualismo deu lugar a compreensão dos direitos sob a ótica do indivíduo enquanto ser social, o que fez surgir uma nova concepção de direitos humanos enquanto seres integrados ao seu meio.O atos do indivíduo, enquanto ser livre e igual, não se restringem a não interferência na esfera de outrem no exercício dos seus próprios direitos individuais, mas na sua participação efetiva para busca do bem comum.A interpretação das relações privadas, dentro dessa nova linha de pensamento do bem comum, passa, então, por uma transformação cultural, assumindo um novo paradigma de conduta a partir da boa-fé objetiva.A boa fé objetiva, inspirada no constitucionalismo de 1988, presente na Código Civil de 2002, no artigo 4222, traça um novo perfil de conduta, traduzido em um deve ser intrínseco, que tem como norte interpretativo e limitador a construção de uma sociedade solidária, em prol da dignidade da pessoa humana (GARCIA, 2003, p.83-85).A revelação dessa estrutura hermenêutica impõe um novo paradigma comportamental, em que há o abrandamento da liberdade de contratar, como fim em si mesma, para estabelecer uma correlação com o princípio da solidariedade nas relações privadas.A solidariedade, como princípio constitucional, então, passa a irradiar sobre o sistema jurídico, em especial, nas relações privadas, uma unidade de valores a serem seguidos pelos participes enquanto sujeito de obrigações estabelecidas entre si. Assim, a conduta do indivíduo nas relações privadas, dentro da perspectiva da boa-fé objetiva, fundamentada no princípio da solidariedade, deve ser concebida a partir de deveres de prestação em relação ao outro e ao seu meio, com a prática de respeito e auxílio mútuos (SILVA, 2003, p.119-120).Nessa nova visão interpretativa, de natureza solidária, não se suprimem os institutos jurídicos de direito privado que envolvem os sujeitos e as suas relações obrigacionais, mas se adequa a uma leitura pragmática desses institutos, para que se concretize a dignidade da pessoa humana a partir de si mesmo e do seu meio. Logo, os institutos de natureza privada são interpretados não pela leitura literal da lei, mas sob o filtro constitucional (BITTAR, 2003, p. 23 -24).Desse modo, o sujeito não é um indivíduo isolado, mas um ser social, inserido dentro de um contexto social e econômico, em que sua vontade, dentro de determinada relação privada, deve ser permeada por um estado anímico capaz de promover o bem estar social (FISCHER; REIS, 2005. p.48-49). De igual modo, as obrigações oriundas das relações privadas entre os sujeitos, não pode ser concebida como um vínculo estático, em que há apenas sujeitos vinculados a uma obrigação, mas aos deveres protetivos, informativos e cooperativos entre si na relação obrigacional e ao seu meio social e econômico (FISCHER; REIS, 2005, p. 54).A autonomia privada, na condição de liberdade de contratar e, o direito de propriedade, enquanto geradores dos direitos das obrigações, sob a perspectiva da boa-fé objetiva, na sistemática constitucional da solidariedade, são analisadas e filtradas, enquanto institutos jurídicos, pelo fim social que se destinam na concretização de cada relação jurídica privada.A par da leitura dos institutos jurídicos que formam as relações jurídicas privadas, a boa-fé predetermina um dever ser para cada sujeito, em que ao estabelecer um vínculo obrigacional, mesmo que sob os ditames da autonomia privada e do exercício do direito de propriedade, cumprem o papel de promoção de equilíbrio social e econômico.Assim, na interpretação constitucional das relações privadas, sob a enunciação da boa-fé objetiva, mesmo que compostas dentro de um âmbito de institutos jurídicos privados, são concebidas, sob a perspectiva do princípio da solidariedade.Os indivíduos, então, na condição de sujeitos sociais, enquanto membros de uma sociedade, devem ser guiados pela boa-fé objetiva no âmbito de suas relações privadas para que se alcancem para si, para o outro e, enfim dentro do seu meio, a construção de um ambiente solidário.Assim, a releitura dos institutos jurídicos privados, a partir do princípio da solidariedade, traça uma nova perspectiva para os operadores do direito constituírem e interpretarem as relações jurídicas privadas. Com isso, a hermenêutica jurídica das relações jurídicas privadas, com viés solidário, busca influenciar as mudanças estruturais do egocentrismo individual para a concepção do indivíduo, agora, participativo no processo de formação social e econômica, em prol do bem comum.

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