OS PERCENTUAIS REPASSADOS PELOS MUNICÍPIOS ÀS ENTIDADES PRIVADAS PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS NA ÁREA DA SAÚDE E EDUCAÇÃO: A AUSÊNCIA DE TRANSPARÊNCIA QUANTO ÀS INFORMAÇÕES CONSTANTES NOS PORTAIS

Janriê Rodrigues Reck, Roberta de Moura Ertel

Resumo


Com o advento da Lei nº 12.527/2011, mais conhecida como a Lei de Acesso à Informação, passou a ser regulamentada a obrigação das entidades e dos órgãos públicos a disponibilização à sociedade das informações produzidas pela Administração Pública. Referida lei determina, em seu art. 8º, que é dever dos órgãos oferecer, independente de solicitação, a divulgação de dados de interesse coletivo e/ou geral, com fácil acesso. Ainda, o §2º do mencionado artigo também prevê a necessidade da divulgação de tais informações por meio de sítios oficiais dos órgãos na rede mundial de computadores (BRASIL, 2011, www.planalto.gov.br).

Ademais, de acordo com o art. 2º, a lei também se aplica às entidades privadas sem fins lucrativos que venham a receber recursos públicos diretamente do orçamento ou por meio de subvenções sociais, contrato, termo de parceria, convênios, acordos, ajustes ou outros instrumentos similares, para realização de ações de interesse público. Assim, tais entidades (em regra aquelas pertencentes ao Terceiro Setor) ficam submetidas à publicidade referente à parcela dos repasses públicos e sua consequente destinação (BRASIL, 2011, www.planalto.gov.br).

Assim, estando o presente estudo inserido no projeto de pesquisa denominado “O resgate do Direito Administrativo: o controle social das parcerias entre o Poder Público e Particulares”, este tratará de forma específica sobre os percentuais transferidos às entidades privadas pelos entes municipais, no que se refere às áreas da saúde e da educação, sendo escolhidos a fim de viabilizar a testagem, os dez municípios mais transparentes do Estado do RS (de acordo com o ranking elaborado pelo Tribunal de Contas – TCE RS), mais os municípios nos quais a Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC - atua.

Tem-se como objetivos de pesquisa: 1) analisar se há informação clara e de fácil acesso acerca das transferências realizadas dentro dos Portais da Transparência, 2) se os repasses de recursos públicos a entidades privadas ocorrem dentro dos percentuais mínimos estabelecidos constitucionalmente para gastos em saúde e educação (15% em saúde e 25% em educação), ou se dão no excedente, bem como, 3) analisar se esse repasse acaba por caracterizar uma terceirização da prestação dos serviços públicos, e 4) como isso interfere no controle social dessas entidades privadas.

Portanto, tem-se como problema de pesquisa: o percentual repassado às entidades privadas para cumprimento dos percentuais mínimos caracteriza uma relação complementar ou se pode afirmar que na prática existe a terceirização da saúde e da educação ao setor privado, e como isso interfere no exercício do controle social? A hipótese é no sentido de que há um repasse significativo às entidades privadas para que elas prestem serviços públicos, o que dificulta o controle social por parte dos cidadãos, diante da ausência de transparência.

Assim, diante da consulta ao site do TCE RS, é possível afirmar que está disponível o percentual total que cada município gastou em saúde e educação nos anos de 2015 e 2016, porém não há disponibilização clara no site do TCE e nem opção de busca específica que indique qual a parcela deste percentual que fora repassado às entidades privadas pelos municípios referidos. Também, tem-se como o resultado parcial, através de consulta aos sítios de cada município ora objeto de estudo, que há transferência na prestação de serviços públicos, ao menos em parte, a diversas entidades privadas na área da saúde e educação, porém sem disponibilização do percentual total correspondente.

Ou seja, em um primeiro momento, já se nota uma grande dificuldade quanto a uma fiscalização eficaz dos cidadãos acerca dessa destinação de recursos públicos, bem como passa a se recear dos verdadeiros ideais das parcerias público-privadas com o Terceiro Setor, podendo vir a ser sacrificado valores como publicidade, transparência e inclusão dos cidadãos no processo decisório do interesse público. Para Gabardo (2009), a transferência de serviços públicos que não são privativos do Estado para entidades privadas, exige maior fiscalização por parte do Poder Público, eis que eventual desobrigação do Estado por meio de um movimento com caráter neoliberal, denota uma certa despreocupação com a possibilidade de perda por parte da sociedade de históricas conquistas jurídicas. Tal conduta promove um risco aos princípios constitucionais e administrativos da impessoalidade, da universalidade e continuidade dos serviços públicos que não são privativos do Estado.

Em continuidade ao acesso às informações, e partindo-se para o exercício da transparência passiva (diante da ausência de êxito quanto à transparência ativa), utilizou-se a ferramenta de solicitação de acesso a informações constante no site do TCE RS, encaminhando a este órgão as seguintes perguntas: “Qual foi o percentual repassado a entidades privadas (dentro de cada município selecionado), nos anos de 2015 e 2016, nos setores da saúde e educação? e “Em qual local do site é possível ter acesso a esse dado?”

A resposta do TCE RS se deu por telefone e por e-mail, dentro do prazo previsto na LAI, sendo que foi informado a impossibilidade de atendimento à solicitação, por não conterem a informação requerida. Inclusive, por e-mail, o TCE RS informou que “infelizmente, um dos critérios com menor índice de atendimento é o que verifica se existem informações sobre ’Transferências realizadas pelo Município a outra entidade e órgão público e privados’”.

Da mesma forma, informaram que poucas prefeituras (dentro dos 14 municípios selecionados) haviam publicado informações quanto às transferências realizadas em 2016, indo ao encontro da dificuldade encontrada quando do exercício da transparência ativa. Ainda, informaram que os dados lançados no site do TCE são de exclusiva responsabilidade de cada ente público municipal, e que “o TCE-RS não faz nenhuma análise prévia ou validação das informações ali disponíveis, razão pela qual todos os dados ali disponíveis são de exclusiva responsabilidade do ente público titular.”

Em sua resposta, o TCE-RS também afirmou que o nível de detalhamento desses registros depende do modo que cada ente lança no sistema, inviabilizando uma pesquisa com resultados uniformes, já que são diversas rubricas e empenhos lançados, não havendo padronização.

Diante do retorno negativo do TCE-RS, utilizou-se da transparência passiva, encaminhando a pergunta sobre o percentual repassados às entidades privadas a cada um dos municípios, no final de agosto de 2017. Até o presente momento, dentre os quatorze municípios estudados, apenas quatro responderam dentro do prazo, sendo que os demais sequer responderam à solicitação.

Os que responderam foram os municípios de Porto Alegre, Ipê, Picada Café e Santa Cruz do Sul. Os três primeiros realizam repassem de forma complementar, sendo que o último repassa mais da metade dos gastos em saúde para entidades privadas, caracterizando uma terceirização do serviço público. Já acerca dos mínimos vinculados, é possível afirmar que apenas Porto Alegre repassa valores correspondentes ao excedente. Os demais municípios, por sua vez, repassam percentuais a entidades privadas necessários para atingir o mínimo constitucional vinculado.

Portanto, a pesquisa ainda não tem caráter conclusivo quanto à privatização dos serviços públicos de saúde e educação, dependendo de mais respostas para verificação de resultados. Porém, é possível já agora verificar a falta de transparência quanto aos repasses transferidos às entidades privadas, bem como a dificuldade de exercício do controle social, diante da precariedade das informações lançadas nos Portais da Transparência, no que se refere às transferências realizadas.


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