PATOLOGIAS CORRUPTIVAS NA CONTEMPORANEIDADE: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPLIANCE CORPORATIVO COMO POLÍTICA EDUCATIVA DE ENFRENTAMENTO À CORRUPÇÃO

Maria Elisa Leal Cabral, Patrícia Fernanda Goldschimidt Boeck

Resumo


O objetivo do presente resumo expandido é analisar o compliance corporativo como medida educativa de combate à corrupção no âmbito empresarial, sob a ótica da Lei 12.846/2013, denominada Lei Anticorrupção Brasileira. Nesse contexto, considerando a relevância do tema no atual quadro societário, a seguinte questão se coloca: O compliance como programa destinado a coibir problemas e falhas nas empresas, além de estabelecer a possibilidade de atenuação de penalidades no âmbito da Lei Anticorrupção Brasileira, constitui mecanismo destinado a diminuir a probabilidade de novas irregularidades e o consequente controle da corrupção empresarial?Para a resolução do problema, utilizou-se de uma abordagem dedutiva e pesquisas doutrinárias. Sendo assim, o trabalho se encontra dividido em dois momentos. No primeiro momento serão analisados os principais aspectos da Lei Anticorrupção Brasileira, especialmente no que concerne à previsão da responsabilização objetiva da pessoa jurídica no sistema dúplice de responsabilidades (administrativo e civil). Já no segundo momento, será abordado o instituto do compliance corporativo como política educativa de combate à corrupção na contemporaneidade, sob o viés da Lei Anticorrupção Brasileira.Na tentativa de controlar o fenômeno da corrupção, a Constituição Federal de 1988 instituiu uma série de valores ligados à ética, à transparência e à moralidade pública, elevando-os ao status de direitos essenciais do próprio Estado. A partir de então, se atingiu uma nova configuração do modelo constitucional brasileiro em torno da ideia central de ética política e da moralidade administrativa. (NASCIMENTO, 2014)Na esfera infraconstitucional, por outro lado, com o advento da Constituição Federal, passaram a existir vários diplomas sobre o combate à corrupção, os quais fornecem mecanismos tanto de prevenção quanto de controle, formando um verdadeiro “Sistema nacional de combate à corrupção.” (HEINEN, 2015)Ocorre que não obstante a aprovação da farta legislação infraconstitucional sobre o combate à corrupção, a crise moral e a consequente quebra de laços de confiança entre o cidadão e as autoridades alastraram-se em todos os níveis. Segundo a International Transparency, em pesquisa realizada em 2013, o Brasil é um dos países mais corrupto do planeta, sendo colocado na 72ª posição no ranking, dentre 175 países. (CARVALHOSA, 2015)Atualmente, a corrupção constitui um dos assuntos mais debatidos no processo comunicativo de globalização dos povos civilizados e democráticos, no qual se procuram reunir auxílios e esforços internacionais não somente para o seu combate, mas também buscando a implementação de diagnósticos precisos e ferramentas preventivas acerca do tema (OSÓRIO, 2013)Diante da reiteração de escândalos ligados a fraudes e lesão ao patrimônio público, noticiados constantemente pela mídia, a edição de uma legislação voltada especificamente a responsabilização das pessoas jurídicas por atos de corrupção restou imperiosa. (HEINEN, 2015)À primeira vista, pode parecer que a Lei 12.846/2013 é apenas mais uma norma, dentre tantas outras existentes no Brasil para punir as empresas, ou então, que foi formulada na ânsia de proporcionar imediatas respostas às manifestações populares de 2013, que rebatiam a corrupção generalizada. (CAPANEMA, 2014)Em contrapartida, a realidade da lógica se mostra bastante diferenciada, não correspondendo aos meros aspectos superficiais. A lei tem como propósito suplementar lacuna histórica no ordenamento jurídico, o qual carecia de legislação precisa que responsabilizasse as pessoas jurídicas por ato de suborno, por exemplo. Dessa forma, as manifestações de 2013 meramente agilizaram o processo. (CAPANEMA, 2014).A origem da Lei 12.846/2013 possui influência nos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil sobre o combate à corrupção, especialmente na Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Convenção Interamericana sobre o combate à corrupção (OEA) e Convenção das Nações Unidas contra a corrupção (ONU), nas quais o Brasil assume o compromisso de prevenir, controlar e punir os atos de corrupção.Após vagarosos anos de trâmite no Congresso Nacional, depois dos protestos de julho de 2013, nasce a Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013, também conhecida como “Lei Anticorrupção Brasileira” ou “Lei da Empresa Limpa”, que visa alcançar a responsabilização objetiva da pessoa jurídica pela prática de atos que atentem contra a administração pública nacional ou estrangeira.O aspecto fundamental da Lei Anticorrupção é a previsão da responsabilidade objetiva para as pessoas jurídicas por atos que afrontem a administração pública nacional ou estrangeira, representando essa uma medida fundamental na medida em que reflete a real preocupação da lei em reprimir atos de corrupção. (CAPANEMA, 2014)Como a responsabilidade civil objetiva prescinde da culpa, restando comprovado o fato, o nexo causal e o resultado a pessoa jurídica será responsabilizada. A mera configuração desses elementos ensejará a responsabilização da empresa, independente da pessoa natural que realmente tenha praticado o ato prejudicial à Administração Pública.Vale ressaltar que de acordo com a Lei Anticorrupção, a responsabilidade objetiva incide ainda que os atos lesivos tenham praticado em benefício exclusivo ou não da empresa (art. 2º). Tal responsabilidade, da mesma forma, persiste mesmo nas hipóteses de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária (art. 4º).Por outro lado, a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito (art. 3º). A responsabilidade da pessoa natural, contudo, é subjetiva, dependendo da comprovação do dolo ou da culpa (art. 3º, § 2º).Já o regime de responsabilidades previsto na LAC é duplo, de modo que foram criadas instâncias de responsabilidade tanto na esfera administrativa quanto civil. Ambas as formas de responsabilização são independentes e complementares (exegese dos artigos 18 e 20 da Lei Anticorrupção). Todavia, a Lei Anticorrupção Brasileira não se enquadra no âmbito do direito penal, considerando que o ordenamento jurídico responsabiliza penalmente aspessoas jurídicas apenas por crimes ambientais, inserindo-se no Direito Administrativo Sancionador.Na esfera administrativa, compete à autoridade máxima de cada órgão ou entidade de poder a instauração e o julgamento do processo administrativo de responsabilização. Já na esfera judicial, a autoridade judicial competente é a justiça comum, estadual ou federal. As sanções variam desde a aplicação de multa e publicação extraordinária da decisão condenatória, até mesmo a suspensão ou a interdição parcial das atividades, o perdimento de bens e a dissolução compulsória da pessoa jurídica.Os programas de compliance corporativo, segundo a Lei 12.846/2013, são mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria, incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica e serão levados em consideração na efetiva aplicação das sanções (artigo 7º, inciso VIII).Estabelecem um conjunto de procedimentos internos implementados pelas empresas com o intuito de evitar, detectar e sanar a prática de desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos em geral por seus administradores, empregados, representantes e, até mesmo, fornecedores e prestadores de serviços, contra a administração pública.Um programa de Compliance efetivo deve levar em consideração o modelo de negócio da organização e incorporar aos controles internos medidas específicas de análise e ratificação desses controles. Estas medidas devem ter como foco o reconhecimento de falhas e potenciais fragilidades nos processos, assim como a identificação de potenciais melhorias nos controles já existentes, de forma a garantir a transparência e precisão dos registros contábeis e da documentação da empresa. (CLAYTON, 2013, p.150)A conscientização sobre a importância do Compliance anticorrupção vem aumentando de forma muita significativa nos últimos anos. Isso ocorre em razão de uma série de fatores, uma delas é o fato de estar ocorrendo uma crescente relevância global da economia brasileira e o aumento do investimento estrangeiro direito. Mas, apesar da velocidade em que as mudanças estão acontecendo, o Brasil, comparado a outros países, deixa muito a desejar com relação a cultura Compliance. (CLAYTON, 2013)Por outro lado, diante da nova realidade trazida pela Lei Anticorrupção, a adoção de medidas de integridade não é uma mera opção, mas sim uma necessidade. No Brasil, esta avaliação das medidas de integridade deverá ser adaptada, especialmente para as pequenas a microempresas, pois essas, cada vez mais, interagem com agentes públicos, da mesma forma que fornecem produtos para o governo. (CAPANEMA, 2014)Dessa forma, nos moldes da Lei Anticorrupção Brasileira, a existência de um programa de integridade adequadamente estruturado e efetivo pode não somente evitar o cometimento de irregularidades, mas também será considerado como um dos critérios para fins da aplicação das cominações administrativas previstas na lei Anticorrupção. Por outro lado, mister frisar que por mais completo e estruturado que um programa de compliance seja, não significa que ele será capaz de banir a ocorrência de toda e qualquer irregularidade praticada no âmbito da empresa.Por todo o exposto, observou-se ao disciplinar a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas, nas esferas administrativa e civil, pela prática de atos que atentem contra a administração pública nacional ou estrangeira, a Lei Anticorrupção Brasileira constituiu um marco no ordenamento jurídico, uma vez que o cenário brasileiro carecia de uma legislação que alcançasse aresponsabilização das empresas por atos de corrupção, de modo a preveni-los e puni-los.Nesse contexto, o compliance corporativo, disciplinado na Lei Anticorrupção Brasileira, constitui mecanismo destinado a diminuir a probabilidade da ocorrência de novas irregularidades e o consequente controle da corrupção no âmbito empresarial, na medida em que tem a função de monitorar e assegurar que todos os envolvidos com uma empresa estejam de acordo com as práticas de conduta da mesma, desenvolvendo-se, tais práticas, na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos.

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