LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NA JUSTIÇA DO TRABALHO FACE A AUSÊNCIA DA SOLIDARIEDADE

Simone Rossa

Resumo


O ser humano nasce ingênuo, puro e sem qualquer tipo de maldade, sua boa-fé é nata, em verdade, é a sociedade quem o corrompe. Essa é a concepção de Jean Jacques Rousseau, e com ela concorda STOCO (2002, p. 38), que acrescenta: “Em sua gênese, (o homem) vai se transformando segundo influência dele sobre si próprio e da sociedade em que vive sobre ele, podendo manter sua condição original ou assumir comportamentos decorrentes da  influência e da sua conversão”, concluindo que “a boa-fé constitui atributo natural do ser humano, sendo a má-fé o resultado de um desvio da personalidade”. Já Thomas Hobbes enxerga o oposto, o homem é um ser naturalmente agressivo e belicoso, assim o definindo: “O homem é o lobo do homem”.

Com base nessas duas diretrizes, questiona-se: O que é a má-fé? De onde ela surge? Esse sentimento está na essência do homem? Deixou ele de ser solidário com o passar do tempo passando a agir de tal forma? Qual a relação dela com o princípio da solidariedade? Por que o homem se utiliza dela para adquir vantagem sobre terceiro?

O direito é um fenômeno social que nasce na sociedade, com ela cresce e a ela se aplica, não por menos que as normas jurídicas foram criadas para resolver situações fáticas que, por sua vez, foram criadas pela sociedade. Direito e sociedade estão umbilicalmente ligados, não sendo possível separá-los.

Tanto assim o é que, para o sociólogo francês Émile Durckeim, a sociologia estuda a sociedade e visa encontrar soluções para a vida social. Daí surge a necessidade do homem como um ser social, livre, justo e solidário. Estas características fazem com que surjam renúncias de vantagens pessoais em prol de algo maior, a coletividade. Mas o homem está preparado para abdicar daquilo que lhe favorece e convém para ajudar e estender a mão ao próximo?

Aristóteles, pioneiro em idealizar a solidariedade, tentou demonstrar que solidário e solidarizado eram beneficiados com este espírito, todos saem ganhando quando ela for praticada. Não por menos que a nossa Carta Maior foi agraciada com a inclusão de tal princípio em seus primeiros artigos, pois uma sociedade que não se mostra solidária certamente enfraquecerá.

Nesse viés, tem-se que o princípio da solidariedade é de suma importância ao regramento Estatal, pois, além de fazer com que o homem evolua, preservando a boa convivência entre os seres em sociedade, automaticamente afasta o individualismo e a indiferença que a globalização fez se desenvolver.

No entanto, foi a partir do individualismo que o espírito da solidariedade acabou por ser abandonado, abrindo espaço ao egocentrismo, que trouxe enormes reflexos ao mundo jurídico. Não se afasta a ideia de que a visão individualista foi necessária à evolução da sociedade, especialmente ao reconhecimento e à valorização da vida e da dignidade da pessoa humana, mas é o solidarismo que traz força e transforma o valor individual, fazendo crescer o prazer de viver em conjunto, pela consciência da responsabilidade de cada um para todos e de que todos são responsáveis pelo bem estar de cada um (BRANCAGLIONE, 2011).

Aliás, é por meio do exame da conduta processual das partes, da sua forma de agir, que se analisa a litigância de má-fé, possuindo-se com isso uma certeza: as partes têm o dever jurídico de não praticar atos procrastinatórios e de proceder de acordo com o princípio da lealdade processual (DORIA, 2005).

Por isso que, especialmente no âmbito do direito do trabalho, nunca se falou tanto sobre a litigância de má-fé. Esta, por óbvio, é o oposto ao princípio da solidariedade, pois, enquanto este tem como intuito o auxílio mútuo, aquela possui um olhar individualista e egocêntrico; enquanto este visa o bem estar social, aquela busca a satisfação pessoal. Daí se falar que a litigância de má-fé é a ausência da solidariedade, ou melhor, o seu oposto.

Como acima dito, a litigância de má-fé afeta a lealdade processual, que se trata de um dever ético e jurídico, e como tal, seu descumprimento deve estar sempre acompanhado da sanção. Haja ou não prejudicados. Litigar com má-fé implica em descumprir as regras processuais (DORIA, 2005). Bem por isso que esse sempre foi um tema de grande relevância e discussão no direito, e atualmente muito em voga na seara trabalhista.

Exatamente por esse motivo que tal instituto foi inserido no corpo da reforma trabalhista, o qual, até então, face a sua inexistência nas consolidações, era aplicado subsidiariamente com base no direito processual civil. Agora, com advento da Lei 13.467/2017, passou a integrar a legislação trabalhista nos artigos 793-A a 793-D, punindo não só reclamante e reclamado, mas o interveniente que trouxer falácias ao processo.

Além do mais, são crescentes as demandas de Reclamantes que buscam angariar valores que não lhe são devidos, ferindo a dignidade da Justiça do Trabalho e deturpando o regular exercício do direito de ação, pois esse pedido, muitas vezes, é enebriado pela trapaça e pelo oportunismo de se arriscar em uma lide com o intuito de pleitear aquilo que já foi pago. E esse espírito ganancioso certamente advém de nossos antepassados.

Explica Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro Raízes do Brasil, que o brasileiro, colonizado pelos portugueses, é imbuído do espírito aventureiro, explorador, ou seja, busca o lucro e o dinheiro fáceis, sem esforço algum com o simples intuito de obter vantagem perante os outros, é o que ele chama de “jeitinho brasileiro”, por todos nós conhecido (HOLANDA, 1995).

Não há o espírito solidário na sua amplitude, a solidariedade é para os seus e a quem convém. A busca pelo dinheiro fácil e sem qualquer esforço, pensando apenas em si e naqueles que lhes são mais próximos, não na coletividade como um todo, não no que é justo ou correto. Esse certamente é um dos motivos de tantas empresas estarem à beira da falência, haja vista que empregados, mancomunados com seus advogados – os sem ética é claro – e auxiliados por suas testemunhas, buscam incessantemente anagriar fundos explorando quem um dia lhes estendeu as mãos oportunizando uma chance de obter renda.

Assim, quem litiga de má-fé e age sem ética e lealdade, fere a dignidade da justiça, viola um dever jurídico, atrasa a prestação jurisdicional, tornando-a ainda mais lenta, e gasta recursos públicos com trâmites desnecessários, deve ser punido, pois ofende a regra do artigo 77 do Código de Processo Civil de 2015 e o princípio da lealdade, os quais devem ser observados pelas partes e por seus procuradores. Não está o litigante malfeitor agindo assim porque a sociedade o corrompeu, ele nasce com esse espírito. Aquele que é corrompido assim o é porque nasceu assim, não existe o homem completamente puro, livre de maldades, assim como inexite o completamente cruél, cheio de perversidades. Em razão disso, fica a pergunta: está o homem preparado para abrir espaço ao espírito solidário?


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