O QUE PODE UM(A) EDUCADOR(A) DE REDAÇÃO EM CURSOS DE EDUCAÇÃO POPULAR?

Peterson Luiz Oliveira da Silva, Alan Ricardo Costa

Resumo


Cursos populares preparatórios para o ingresso no Ensino Superior caracterizam-se como movimentos sociais de combate à desigualdade e à exclusão educacional, no Brasil, há pelo menos 40 anos. Com efeito, a opção pedagógica desses cursos populares por um trabalho docente alicerçado/ancorado no pensamento freireano (1970, 1996) e na emancipação dos indivíduos já foi retratada na (ainda modesta, mas em recente expansão) literatura da área (e.g. zago, 2008; MENDES, 2009; COSTA, 2015). Não são todos os cursos preparatórios para o ingresso na universidade que se pautam em uma pedagogia crítica e de Educação Popular, no viés de Paulo Freire (1996), é uma verdade, infelizmente. Aqueles cursos que optam por tal base teórico-metodológica, no entanto, devem ser mais enfaticamente registrados e contemplados nas produções acadêmicas, em nossa opinião.

É necessário destacar que os cursos pré-universitários que visam a contribuir para a emancipação histórico-social de sujeitos sociais – no que tange à sua vida, à sua origem, à sua condição econômica, ao seu trabalho e a todo seu contexto – enfrentam diariamente uma “contradição” pedagógica. Uma “contradição” que se dá no desafio de conciliar duas lógicas antagônicas e, aparentemente, incompatíveis: (1) a lógica neoliberal-mercadológica, do Vestibular e do acesso seletivo (excludente e desigual) ao Ensino Superior; e (2) a lógica Popular, freireana, que tem subjacente à sua proposta a noção de Educação como ferramenta de politização/libertação e como direito humano universal (MENDES, 2009). Nessa linha de pensamento, por conseguinte, as “disciplinas” típicas de cursos pré-universitários podem ser “mais ou menos Populares”, por assim dizer, ao adotar em maior ou menor escala os conteúdos programáticos e ao fazer uso (ou não) de abordagens de ensino mais ou menos críticas e dialógicas para a construção da cidadania e do(s) saber(es) popular(es).

Embora todos os campos do saber tenham potência revolucionária e capacidade subversiva no que tange aos limites impostos por um sistema de ensino ainda muito bancário e fordista, entendemos que a disciplina de Redação se mostra como um espaço privilegiado para um trabalho freireano (PRATES, 2014; ROLIM, 2014). Alguns aspectos próprios da disciplina de Redação – dentro do currículo e da grade de disciplinas de cursos preparatórios – que permitem tal interpretação são: (I) a postura ativa do(a) educando(a), que produz e escreve, ao contrário de uma postura passiva, como aquela inerente às disciplinas substancialmente expositivas e fechadas ao pensamento crítico e ao posicionamento individual; (II) o maior espaço e maleabilidade curricular para a abordagem de temas sociais pertinentes às classes populares e aos Direitos Humanos (como violência de gênero, desigualdade social, acesso à educação, inclusão, racismo, intolerância religiosa, combate à fome, etc.); (III) a oportunidade de reflexão e de exercício de subjetividade a partir da escrita, da leitura e de usos variados dos letramentos críticos (DUBOC, 2015); (IV) a construção colaborativa do saber entre discente e docente, uma vez que a redação – enquanto produto textual – não é uma mera construção linguística, mas uma consolidação de uma visão de mundo em constante processo de (re)significação.

Em tempos de incertezas quanto às políticas nacionais, sobretudo aquelas de acesso às universidades e ao direito de uma educação pública e de qualidade para todos, o(a) educador(a) de um curso popular passa a assumir um papel ainda mais notório no processo de educação mútua construído horizontalmente com educandos e educandas. É necessário debater o que pode esse(a) educador(a) no que concerne ao seu trabalho docente, sua práxis e sua postura frente à educação na perspectiva da emancipação humana. Destarte, com o presente trabalho, temos por objetivo discutir o papel das aulas de Redação e do(a) educador(a) da referida disciplina no que tange à construção de um pensamento crítico e freireano (FREIRE, 1996; GIROUX, 1997) dentro de cursos preparatórios para o Vestibular ou outros exames de ingresso à universidade.

No que diz respeito à metodologia, o trabalho configura-se como um estudo bibliográfico, tendo como suporte bibliográfico pesquisas anteriores referentes ao ensino de Redação em contextos de educação formal ou não-formal (e.g. PRATES, 2014; ROLIM, 2014). A pesquisa conta, também, com nosso olhar empírico, haja vista que nossas vivências docentes em cursos preparatórios para o ingresso ao Ensino Superior nos últimos anos são indissociáveis de nosso olhar para a revisão de literatura da área.

A partir das leituras e interpretações tecidas, bem como de nossas experiências em diferentes cursinhos, notamos que mesmo a disciplina de Redação pode pender para o lado do assistencialismo excludente, do pragmatismo perverso e/ou do ensino não-reflexivo, se: (1) a prática de produção textual for reduzida aos conhecimentos puramente gramaticais e descontextualizados da língua, negligenciando suas dimensões culturais, políticas e ideológicas; (2) não houver um equilíbrio entre os letramentos, os conhecimentos linguísticos e o debate franco sobre temas sociais, causando no(a) educando(a) um desnivelamento entre a forma como ele(a) se posiciona no (e sobre o) mundo e como tais posicionamentos são textualizados; (3) as aulas forem centradas no(a) educador(a), não-dialógicas e sem espaços de autorreflexão e exercícios da empatia do(a) educando(a).

Portanto, mesmo o(a) educador(a) de Redação mais crítico, progressista e engajado(a) socialmente pode mostrar-se alienador(a) e/ou bancário(a), independente das suas “boas” intenções. Essa é a razão pela qual o papel docente demanda alta carga de (auto)crítica e avaliação contínua. Tendo em vista a importância das aulas de produção textual e do destaque dado à Redação no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e nas provas de Vestibular, conclui-se que o(a) educador(a) de Redação tem, em semelhante medida, direitos e deveres – possibilidades e responsabilidades – quanto ao trabalho docente freireano/emancipador.

 

Palavras-chave: Redação; Paulo Freire; Pedagogia Crítica; Letramentos; Trabalho Docente.


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ISSN 2965-0615