NARRATIVAS DE FORMAÇÃO E TRABALHO DE MULHERES NA ALTA GASTRONOMIA: NOTAS (AUTO)BIOGRÁFICAS
Resumo
Numerosos estudos vêm, há muitas décadas, retratando as atividades desenvolvidas e o papel desempenhado pelas mulheres nas cozinhas, sejam elas públicas ou privadas. Com diferentes escopos, os pesquisadores nos apresentam, até então, questões de gênero ligadas às suas funções nesse meio nos mais diversos períodos históricos, bem como a recorrência da invisibilidade ou o reducionismo de seu ofício. (ABDALA, 2008; AMORIM, et al., 2016). Além disso, também há a abordagem das relações entre homens e mulheres nesses espaços, com a ênfase de que por muito tempo a área doméstica foi caracterizada como pertencente ao universo feminino, enquanto a profissional ao domínio masculino. (ASSUNÇÃO, 2008). Por outro lado, há outras correntes que apontam a presença maciça das mulheres exercendo o ato de cozinhar como profissão, seja de forma empreendedora ou proletária, e o que se destaca são os contrastes existentes não só na perspectiva hierárquica da profissão, como também o local de atuação, revelando assim que o homem tende a atuar em cargos de chefia (ditos chefs) na alta gastronomia, enquanto as mulheres abarcam as cozinhas coletivas e de refeições do cotidiano refletindo o doméstico no privado. (COLLAÇO, 2008; DEMOZZI, 2012).
Nesse sentido, pensarmos os entrelaçamentos com os estudos feministas potencializa nosso olhar sobre as relações que se dão na interseção entre trabalho e educação no campo da gastronomia. Utilizar o gênero enquanto categoria analítica (SCOTT, 1995) possibilita entender como os papeis socialmente construídos e atribuídos aos corpos sexuados indica a presença/ausência de mulheres em cargos profissionais hierárquicos, mesmo quando a ideologia do patriarcado opera para assentar o “lugar da mulher” no âmbito doméstico (SAFFIOTI, 1987; SCAVONE, 2008). A contradição existente nessa relação nos impulsiona a analisar pelo viés crítico de gênero por que a presença de mulheres em espaços de poder da gastronomia ainda é pouco expressiva, ao mesmo tempo que nos empenhamos em desvelar experiências de formação e de trabalho de tecnólogas em gastronomia que rompem com isso.
Observa-se que cada vez mais mulheres estão buscando formação e espaço de atuação nas cozinhas gourmet, por isso consideramos importante analisar essa realidade através das narrativas e dos relatos de experiência de uma estudante de gastronomia, buscando compreender quais são as suas percepções sobre a presença e os efeitos de marcadores de gênero durante sua formação, em suas práticas de estágio, mais especificamente, em um restaurante de alta gastronomia na França. A importância do uso dessas narrativas como fonte de pesquisa se justifica por seu caráter de relação com o meio. Segundo Delory-Momberger (2014, p. 91), é através das narrativas que o indivíduo se apropria de suas histórias de vida em formação e, é nesse contexto de auto formação que ocorre um importante aspecto: “o de reconhecimento - ao lado dos saberes formais [...] - dos saberes subjetivos e não formalizados que os indivíduos, utilizam na experiência de sua vida, nas suas relações sociais, na atividade profissional”. Por isso, as narrativas são importantes na medida que ajudam os sujeitos a organizar e sistematizar suas vivências, suas experiências e suas práxis para que possam agir sobre si e sobre seu ambiente, ou seja, a atividade de “reflexão a partir das narrativas de formação de si [...] permite estabelecer a medida das mutações sociais e culturais nas vidas singulares e relacioná-las com a evolução dos contextos de vida profissional e social.” (JOSSO, 2007, p. 414).
Esse trabalho é uma pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico e (auto)biográfico, situada nos campos dos Estudos Feministas e Trabalho e Educação. Objetivamos refletir sobre as contradições e rupturas com os papéis histórico e socialmente delegados às mulheres no mundo ocidental que as narrativas (auto)biográficas expõem. Problematizar as questões de gênero na gastronomia e, concomitantemente, exibir as subversões à ordem vigente com exemplos de mulheres na alta cozinha é o que move esta pesquisa. Entendemos que, mesmo que socialmente seja construída e (re)produzida, a ideia de que os espaços de poder são reservados à figura masculina, a presença de mulheres chefs têm se solidificado cada vez com maior intensidade e rompido com uma lógica engessada de gênero nos espaços e nas experiências de formação e de trabalho na gastronomia.
Palavras-Chave: Gastronomia; Cozinha Profissional; Narrativas; Formação; Gênero.
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ISSN 2965-0615