A REPRESENTAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS ABUSIVOS NOS SERIADOS YOU E BIG LITTLE LIES
Resumo
Com um início sutil e um desenvolvimento gradual, um relacionamento abusivo é qualquer tipo de relação em que um dos lados abusa do poder e o exerce de forma predominante sobre o parceiro, com o intuito de garantir sua submissão e passividade. A violência, no relacionamento, não se produz isoladamente, mas faz parte de uma sequência crescente de episódios, que podem incluir a violência física, psicológica, sexual, moral, patrimonial, entre outras. Ao longo de 2018, 16 milhões de mulheres brasileiras, com 16 anos ou mais, sofreram algum tipo de violência, sendo que 76,4% das mulheres indicaram que o agressor era um conhecido, destacando o (ex)parceiro íntimo como o principal autor. Como os relacionamentos abusivos costumam ser tratados de forma romantizada, tivemos como objetivo analisar como são representados os relacionamentos abusivos heterossexuais na cinematografia contemporânea norte-americana. A pesquisa ?A representação de relacionamentos abusivos nos seriados You e Big Little Lies? pautou-se nos estudos culturais e utilizou como materialidade de análise os referidos seriados. A análise via produção midiática foi preferida por ser um meio de comunicação social, considerando que programas de televisão têm uma participação decisiva na condução e na produção cultural, ou seja, na constituição dos sujeitos contemporâneos. Considerando apenas a primeira temporada de cada seriado, com 7 e 10 episódios respectivamente, foram selecionados 3 marcadores: dinâmica da relação, desigualdade de gênero e efeitos do relacionamento abusivo. As 34 cenas selecionadas evidenciam a interação abusiva dos casais. As cenas foram descritas, separadas e analisadas conforme os marcadores citados, sendo também comparadas, de modo a distinguir diferenças e observar semelhanças nas representações midiáticas dos relacionamentos. Foi possível analisar a violência enfrentada pelas mulheres e de que forma ela é exposta aos telespectadores, por vezes explícita, pela violência física, e outras, implícita, pela violência psicológica e moral. O controle e a manipulação usados para isolar essas mulheres e torná-las dependentes e submissas, têm um papel central na performance da relação abusiva. Dentre os fatores que sustentam os vínculos estão a presença de filhos, a falta de um suporte financeiro e rede de apoio, a negação, a idealização de um par romântico, sentimentos de culpa, vergonha, baixa autoestima e medo, e o próprio ciclo retroalimentador da violência. Ambos casais representam relações em que a mulher detém parcelas de poder desiguais, constituindo relações de poder que reproduzem a ordem paternalista e controladora do agressor e responsabiliza a vítima pelo abuso. Entrelaçados a isso, ambos seriados salientam danos psicológicos e comportamentais às vítimas, como o medo, a vigília, o isolamento, a tensão e a dependência e, embora não aprofundado, às crianças, vítimas indiretas da violência conjugal e reprodutoras da conduta agressiva. Ao final, as duas produções se mostraram críticas a diversos elementos de uma relação abusiva, apresentando histórias, relacionamentos e personagens reais. Porém, enquanto Big Little Lies conseguiu realizar um trabalho aprofundado contando a história da vítima, You se manteve ambígua, ameaçando romantizar a relação abusiva entre o casal. Assinala-se, portanto, a relevância de compreender os diferentes discursos produzidos pela mídia referentes à temática, visto seus efeitos de produção de verdade.
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ISSN 2764-2135