MATIZES DA IN/EXCLUSÃO DA POPULAÇÃO MIGRANTE: TENSIONAMENTOS
Resumo
No panorama de consistente avanço das migrações internacionais ao longo das últimas décadas, o Brasil tem se firmado como destino de trânsitos globais, com a atual expressividade dos fluxos sul-americanos e caribenhos. Em nível local, o município de Venâncio Aires se destaca pela considerável recepção de migrantes de múltiplas nacionalidades, sobretudo venezuelanos. Diante desse cenário, a pesquisa Migração e processos de in/exclusão problematiza os processos de in/exclusão e as estratégias biopolíticas de governamento da população migrante, a partir da análise dos documentos produzidos, entre 2013 e 2017, no âmbito legislativo dos municípios de Lajeado/RS, Santa Cruz do Sul/RS e Venâncio Aires/RS. Este último demarca o recorte de pesquisa aqui discutido, que apresenta o registro de 2.367 documentos. Foram empregadas três estratégias de produção de dados: (1) leitura dinâmica dos documentos digitais não pesquisáveis e de acesso físico, a fim de identificar as discussões relacionadas ao tema de pesquisa; (2) busca por descritores relacionados ao tema nos documentos pesquisáveis, compreendidos pelas variações e derivações dos termos “migração”, “refúgio”, “estrangeiro”, “ACNUR”, “Mais Médicos”, “comércio ambulante” e das nacionalidades mais comuns entre os migrantes da região; (3) busca pelos mesmos descritores em plataforma que hospeda os documentos da legislação consolidada de Venâncio Aires. Identificou-se um total de 10 atas de sessões plenárias, leis e projetos de lei que contemplam o tema de pesquisa, cuja análise revelou tensionamentos nas discussões. Ao citar migrantes e refugiados, o Plano Municipal de Assistência Social 2018-2021, instituído pela lei nº 6058/2017, estabelece como objetivos o mapeamento desses grupos e a readequação de políticas para essa população. Assinala-se que a lógica do acolhimento não é investida meramente de um ideal humanitário, mas também opera a serviço da gestão da população por meio da inclusão de todos os sujeitos. Tais ações convergem com os mecanismos biopolíticos que incidem sobre a vida da população, fazendo-a viver, investindo em condições que garantam a sua participação nos jogos da sociedade de mercado. Nessa direção, destaca-se a lei nº 5405/2013, que institui o Dia Municipal da Comunidade Palestina, cuja proposição faz menção, na seção de justificativa, às contribuições dos migrantes palestinos para o desenvolvimento econômico do município, de modo que a adequação à sociedade de mercado pode ser entendida como uma das razões para tal reconhecimento. Os tensionamentos dessa lógica se mostram nas discussões das sessões plenárias sobre o Programa Mais Médicos, em que as manifestações contrárias ao programa frequentemente revelam estranhamento, manifestado no questionamento da qualificação profissional e da necessidade de contratação de médicos estrangeiros. Esses sujeitos, de algum modo, invertem as relações de alteridade: ofertam acolhimento ao invés de necessitá-lo. Ao considerar a noção de hospitalidade, articulada por Jacques Derrida, entende-se a alternância como inerente aos papeis de hóspede e hospedeiro. Logo, oferecer hospitalidade implicaria abrir-se para os efeitos do outro em seu mundo e aos riscos de se fazê-lo. Frente a esses arranjos, considera-se que as posições dos migrantes no gradiente de in/exclusão matizam-se de acordo com as condições migratórias, os papéis de hóspede e hospedeiro, as dinâmicas de acolhimento e, sobretudo, as formas de os sujeitos se fazerem governáveis.
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ISSN 2764-2135