Os indivíduos identificados como portadores de disforia de gênero, pelos manuais de nosologia médica, são caracterizados por uma forte identificação com o gênero oposto, além de desconforto persistente com o sexo biológico. Em decorrência de não conduzirem seus corpos de acordo com o que é estabelecido pela sociedade heteronormativa, são vítimas do preconceito social e, consequentemente, da incapacidade de compreensão das questões de gênero e sexualidade. Comumente desrespeitados e agredidos em vários espaços sociais sofrem preconceito e, por razões morais, omissões da justiça e da saúde. Trata-se de um problema de saúde que importa pois, como consequência da violência e do difícil acesso ao sistema de saúde, observa-se que a média de vida da população trans é de 35 anos, enquanto, a média nacional é estimada em 75 anos. Deve se considerar que tanto o entendimento de corpo e gênero, quanto as categorias diagnósticas têm sofrido profundas modificações decorrentes de posicionamentos políticos da população trans. Descrever as modificações históricas relacionadas ao que é, hoje, normatizado como disforia de gênero pelo discurso biomédico abordando as diferentes denominações e momentos históricos que levaram a estas alterações. Trata-se de pesquisa de alçada bibliográfica e de cunho descritivo. Os primeiros registros encontrados estão ligados ao império romano, onde os eunucos se transvestiam de mulheres e retiravam o próprio pênis. Ainda, é possível reportar personalidades que destacaram-se por não agirem de acordo com seu sexo biológico, como no caso da Papisa Joana que assumiu o papel masculino e governou a igreja católica por dois anos ou do rei Henrique III que apresentou-se aos parlamentares de vestido curto e colar de pérolas. Inicialmente denominada de transexualismo, teve critérios diagnósticos estabelecidos por Harry Benjamin nos anos de 1950-1966. Até 1922 era identificada enquanto uma perversão e, posteriormente, passou a ser identificada como uma parafilia. Em 1946, a parafilia era considerada como “erro da natureza” e atribuída a desordens endócrinas. Em 1955 após a primeira menção sobre gênero pelo psicólogo John Money, realizou-se o primeiro estudo científico sobre a temática de um ponto de vista psicológico. Em 1962 os dicionários passam a trazer que “gênero” e “sexo” não possuem a mesma definição. Movimentos sociais colocam em pauta questões sobre gênero e sexualidade e visibilizam uma população considerada como abjeta. Em 1972 os países baixos aprovam lei para as cirurgias de mudanças de sexo; Daniel von Oosterwyck é o primeiro transexual europeu a passar por uma cirurgia de resignação de sexo masculina. Primeira menção ao termo “transgênero” em 1979 e reivindica que nem todos os indivíduos necessitavam de cirurgia. DSM III incorpora a nova definição e passa a designar Transtorno de Identidade de Gênero. Em 2003 o DSM IV passa a considerar o Transtorno de identidade de gênero como, Disforia de gênero. Após anos de luta, a Disforia de gênero é retirada pela Organização Mundial de Saúde do âmbito psiquiátrico e passa a ser considerada uma questão relacionada à sexualidade. Mesmo com avanços como a conquista do nome social e a despatologização da disforia de gênero, denota-se que o público trans tem suas vidas ceifadas pela incompreensão de questões de gênero e sexualidade de uma sociedade que defende o sistema patriarcal e heteronormativo, fixando-se em aceitar padrões predominantemente religiosos e culturalmente intolerantes.