A SOLIDARIEDADE COMO PRINCÍPIO MATRIZ DAS NOVAS FORMAÇÕES FAMILIARES

Julia Gonçalves Quintana

Resumo


Com a superação do viés individualista, típico do Estado Liberal, surge a idéia do ser humano como detentor de direitos sociais, assim, o bem-estar social passa a ser protegido, podendo inclusive se sobrepor ao interesse privado em caso de conflito.

A concepção individualista da sociedade, ignorando o homem como ser social, foi fundamentalmente mesquinha, porque desligou o indivíduo de compromissos sociais, dando margem a mais desenfreada exploração do homem pelo homem, onde cada um vivia isolado na sua liberdade. (ALENILTON, 2013).

A solidariedade começou a se delinear na antiguidade clássica, quando já se ponderava ser o homem um animal cívico, muito mais sociável do que qualquer outro animal. Observou-se que a convivência social não é uma mera imposição da vida, pois as pessoas se agregam umas as outras justamente para tornar a vida menos custosa e sacrificante. (ALENILTON, 2013).

Advinda da necessidade em se reconstruir os direitos humanos, totalmente esfacelados pelas barbáries cometidas durante o período da Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal de 1948, é o marco do Direito Contemporâneo que, como visto, assenta suas perspectivas na premissa da solidariedade, Direito difuso de terceira dimensão. (ALENILTON, 2013).

A Declaração Universal de 1948 trouxe consigo a reaproximação do Direito e da ética, atribuindo status normativo aos princípios, inaugurando assim um novo sistema focado principalmente na realização do princípio da dignidade humana.

Em se tratando do ordenamento jurídico brasileiro, é somente a partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que passa a haver uma preocupação direta em adotar o valor constante no princípio constitucional da solidariedade como uma das maiores premissas de toda a ordem jurídica e social. Assim, considerando que o princípio da dignidade da pessoa humana se traduz como valor fonte de todo o sistema jurídico, a solidariedade surge para potencializar e concretizar este princípio-matriz do ordenamento (CARDOSO, 2012).

O princípio constitucional da solidariedade está previsto no artigo 3º, inciso I, do texto constitucional de 1988, e possui dupla função no ordenamento jurídico: Por um lado constitui princípio constitucional que deve nortear todas as relações jurídicas, e por outro, constitui um dos objetivos do Estado brasileiro.

Dito isso, e levando-se em consideração a força normativa da Constituição e a irradiação dos princípios e direitos fundamentais por todo o ordenamento jurídico infraconstitucional – fruto da constitucionalização do direito privado –, o princípio/direito fundamental à solidariedade pode ser encarado como um vetor de interpretação para todas as condutas que são efetivadas sob sua égide (SARLET, 2012).

Nesse contexto, na seara do Direito que visa tutelar as relações familiares erige o conceito de Direitos das Famílias, possuindo como pilar principal a afetividade entre os que a compõe.

O direito das famílias tem por objeto a própria família e seus membros, abrangendo os cônjuges, conviventes, pais, filhos, parentes naturais, cíveis, socioafetivos ou afins, além de conter normas referentes à tutela e à curatela.  A proteção e assistência à família, entretanto, não se destina mais exclusivamente à instituição, como ocorria com a manutenção do casamento e a família legítima, mas na pessoa de cada um dos membros que a integra (art. 226, §8º, da CF), com a assistência especial aos membros vulneráveis, como as crianças, os adolescentes e os idosos, além da proteção às mulheres contra a violência doméstica. (CARVALHO, 2015).

O conceito e a finalidade social da família sofreram modificações substanciais a partir da Constituição de 1988. Ao estabelecer o princípio do pluralismo familiar o texto constitucional reconheceu como entidade familiar, além do casamento, a união estável e a família monoparental (art. 226, §§3º e 4º), os princípios da igualdade jurídica entre os cônjuges, companheiros e filhos (art. 226 §5º e 227 §6º), e, principalmente, considerando como um dos princípios fundamentais da nação a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), reviu, alterou e ampliou fundamentalmente o conceito de família. (CARVALHO, 2015).

A Constituição Federal exemplifica três modelos de família, entretanto, não encerram numerus clusus. Sendo permitidos outros modelos de arranjos familiares na atual Carta Magna, sendo suprimida a cláusula de exclusão das constituições anteriores que reconheciam a constituição da família apenas pelo casamento. (CARVALHO, 2015).

A família, célula mater da sociedade, passou por uma grande transformação ética após se reconhecer a positividade do princípio da solidariedade. (ALENILTON, 2013).

Primada pelo sentimento da afetividade, a família do século XXI está muito longe da família hierarquizada e patriarcal do Código Civil de 1916. (ALENILTON, 2013).

Além disso, partindo-se do pressuposto de que a família constitui-se em uma entidade geradora de deveres recíprocos entre os seus membros, diminui-se do Estado, o encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão, bastando atentar que, em se tratando de crianças e adolescentes, é atribuído primeira à família, depois à sociedade e, finalmente ao Estado (CF/88 art. 227), o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação, repetindo-se a mesma lógica na proteção ao idoso. . (ALENILTON, 2013).

Nas relações familiares, a solidariedade passa a constituir o vínculo necessário à realização do afeto, eis que externada naturalmente na forma de cooperação e ajuda mútua entre os seus integrantes. Desse modo, a solidariedade é concebida como alteridade, representado o respeito à diferença, que possibilita a coexistência dos direitos fundamentais dos indivíduos no denominado ``ninho``, expressão voltada ao espaço íntimo de afeto e ideal para a realização da personalidade e da felicidade. (OLIVEIRA, 2014).

Nesse contexto, o Poder Judiciário tem utilizado o princípio da solidariedade como fundamento para assegurar a realização dos direitos fundamentais no âmbito da família.  Sendo assegurado o direito de visitas e guarda a avós e parentes próximos, preferência nas ``adoções`` consideradas ``à brasileira``. Desse modo, não é possível elencar as hipóteses de aplicabilidade do princípio, pois estas não se constituem em um rol taxativo. No entato, é possível afirmar que a solidariedade como expressão do afeto tem se constituído no fundamento reitor das decisões conflituosas que se apresentam ao Direito de Família. (OLIVEIRA, 2014).


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