A COLABORAÇÃO PREMIADA COMO PROVA JUDICIAL

Débora Mello Lopes

Resumo


O presente resumo busca pesquisar o surgimento, o conceito, a classificação e os efeitos legais do meio de prova consistente na colaboração premiada do acusado, constante na Lei Federal n.º 12.850/2013, que trata das organizações criminosas.

Destaca-se que até o ano de 2013, o conteúdo probatório era assentado, quase que, exclusivamente, na prova testemunhal, ainda que o Código de Processo Penal disponibilize as partes do processo um rol de meios de prova. Entretanto, como já sabido na cátedra jurídica, percebe-se uma precariedade no conteúdo da prova testemunhal, por diversas razões e fator[1]es. Assim, a partir desse contexto, de muita inquietação acusatória, no que diz respeito à obtenção de material probatório para instrução do processo criminal, surge o propalado instituto da colaboração premiada, mediante a aprovação, no Congresso Nacional, no ano de 2013, da Lei Federal n.º 12.850/2013, que viabiliza a obtenção de provas de crimes cometidos por organizações criminosas, que, devido ao alto grau de organização e complexidade, impossibilitavam o descobrimento da verdade real de muitos desses fatos típicos cometidos sob tais parâmetros fáticos, situação que se altera após o surgimento no universo legislativo desse importante e pouco conhecido instituto probatório no processo penal brasileiro.

A Lei Federal n.º 12.850/2013, conhecida como Lei da Delação Premiada, foi criada com o intuito de aprimorar a investigação criminal no direito processual penal; É por meio dela é que se consegue atualmente, extrair maiores informações dos crimes cometidos por organizações criminosas, tendo como meio de prova a colaboração premiada do acusado.

Assim, entende-se por organização criminosa a conjuntura de quatro ou mais pessoas que ordenadamente dividem tarefas, ainda que informalmente, objetivando direta ou indiretamente adquirir vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais, em que as penas são superiores a quatro anos, ou de caráter transnacional (Art. 1º, §1º da Lei 12.850/2013). Já para o Código Penal, constitui infração penal “associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes” (Art. 288).

Hoje, ainda que prevista em lei, definir associação criminosa é muito complexo, pois não se pode confundi-la com organização criminosa, a legislação atribui três características a este grupo: relação de subordinação hierárquica, finalidade de lucro ilícito e divisão de tarefas, são organizadas como uma empresa que busca adquirir lucro; já à associação criminosa não tem qualquer referência à sua estrutura, dificultando assim a prova de sua existência.

No desejo de comprovação de uma organização criminosa surge a lei de colaboração premiada, a qual visa auxiliar a obtenção de tal prova, por meio das referências dadas pelo réu. Entretanto, para que ocorra a colaboração é necessário que o acusado assine conjuntamente com seu procurador um termo de colaboração.

Assim, nas palavras de Lima a colaboração premiada pode ser conceituada como sendo:

 

[...] uma técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal. (LIMA, 2017, p.613)

 

Ainda, para o escritor, existe uma diferença entre colaboração premiada e delação premiada, vez que a primeira possui maior abrangência, pois o acusado não precisa necessariamente incriminar terceiros, podendo somente, assumir a culpa do fato delituoso, permitindo assim a localização do produto do crime, por exemplo, sendo nestes termos, apenas um colaborador. Entretanto, ao assumir a culpa por meio de confissão e trazer ao processo informações sobre outras pessoas, estará praticando o instituto do chamamento de corréu, e nesse viés, poder-se-á falar em delação premiada. (LIMA, 2017) Nesse contexto, Lima afirma,

 

Só há falar em delação se o investigado ou acusado também confessa a autoria da infração penal. Do contrário, se a nega, imputando-a a terceiro, tem-se simples testemunho. A colaboração premiada funciona, portanto, como o gênero, do qual a delação premiada seria espécie. (LIMA, 2017, p. 614)

 

Já para Nucci (2013, p. 456), a colaboração é um “testemunho qualificado, feito pelo indiciado ou acusado. Naturalmente, tem valor probatório, especialmente porque houve admissão de culpa pelo delator”.

Portanto, tendo em vista que a temática, objeto do presente estudo, é recente, em razão da legislação contendo a colaboração premiada, salienta-se que os estudos científicos a esse respeito se encontram em estágio embrionário, razão pela qual se dispensa maiores comentários a esse respeito.

Nesse norte, o presente estudo tem como base metodológica a avaliação de disposições legislativas e bibliográficas, referentes à temática aqui retratada. Sendo o método dedutivo abordado pelo viés histórico e dialético, os quais se mostram mais eficazes na determinação do surgimento, conceito, classificação e efeitos legais da Lei de colaboração premiada.

Pode-se afirmar que anteriormente ao ano de 2013, o instituto da colaboração premiada já era utilizado no ordenamento jurídico brasileiro, como se percebe na Lei 9.807/1999 (Lei de Proteção à Vítima e às Testemunhas) que trata no artigo 13 sobre o perdão judicial, e no artigo 14 sobre redução da pena em casos de condenação, desde que o acusado tenha atendido aos resultados necessários previsto na lei.

Ainda, a Lei 7.942/86 que versa sobre os Crimes contra o Sistema Financeiro também aborda no artigo 25, §2º a redução de pena devido à efetiva colaboração do indiciado. No artigo 8º, parágrafo único da lei que expõem sobre Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) tem-se a presença da delação premiada, mediante redução de pena. Já no artigo 16, parágrafo único do regramento 8.137/90 vislumbra-se a redução da pena quando o coautor ou partícipe revela através da confissão a trama delituosa nos Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e das Relações de Consumo.

Ademais, nos crimes de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/98) e Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) o instituto em análise também se faz presente, nos artigos 1º, §5º e artigo 41, respectivamente.

Portanto, analisando brevemente a origem do instituto, compreende-se que a delação premiada surgiu como meio de prova, buscando viabilizar e facilitar a reunião de material probatório no processo penal. Consigna-se que, até 2013, este material processual penal estava assentado, quase que, com exclusivamente, na prova testemunhal, ainda que presente a possibilidade da colaboração premiada em determinadas normas jurídicas.

Para Nucci (2013), nem toda prova testemunhal está voltada na avaliação de autoria e materialidade, já que é preciso à avaliação do juiz em cada caso para fixação de pena prevista no artigo 59 do Código Penal, que possibilita, por parte do julgador, uma análise da personalidade, da conduta social, do comportamento, dos motivos e demais fatores que levaram a cometer determinado crime. Nesse norte:

 

[...] da mesma forma que vários advogados insistem em arrolar testemunhas inconsistentes, cuja missão é unicamente elogiar, de qualquer modo, o réu, muitos procuradores não se preocupam em arrolar outras, com a tarefa de contrapor-se a tais depoimentos, nem tampouco chegam a participar da colheita dessas alegações. [...]

Por outro lado, juízes também têm responsabilidade, por ignorar por completo tais depoimentos em suas decisões, visto que pouco individualizam a pena, como determina o art. 59 mencionado. Afinal, se todos agissem com detalhismo na colheita da prova, não haveria tantas críticas a enfrentar nesse contexto. (NUCCI, 2013, p. 490)

 

Mesmo assim, convém ressaltar que, a precariedade da prova testemunhal se deve a muitos fatores, dentre os quais, destaca-se: a falta de investimentos do poder público em perícia criminal de qualidade. Verifica-se também, que a ineficácia deste meio de prova, está inteiramente ligada ao fato de a testemunha não ser idônea conforme a lei propõe, ou seja, aquela que é pessoa interessada na causa, próxima das partes; ou, ainda, aquela que não possui capacidade jurídica e mental, não deveria depor, pois seria uma prova suspeita de teor probatório mínimo, e, nestes casos, considerar-se-ia como testemunha contradita (art. 214, CPP).

Tendo em vista a submissão de comprovação da autoria de um delito encontrar-se associada à prova testemunhal, ainda que muitas vezes esta seja uma prova inquietante, o legislador buscou para os crimes cometidos por organizações criminosas um meio de desvincular a necessidade de ouvir testemunhas, pois na maioria destes delitos, não se faziam presentes terceiros que pudessem depor; assim, permanecia-se limitado à comprovação e elucidação dos fatos cometidos pelas organizações criminosas, a prova testemunhal, que quase sempre era inexistente.

Então, a partir de 2013, a colaboração premiada surge como uma nova perspectiva de resolução destes fatos criminosos, de modo que a constituir um novo alento em termos de comprovação probatória de tais condutas delituosas. De forma que, ao colaborar, o acusado estaria admitindo sua autoria e trazendo ao processo demais coautores, ajudando assim, na exposição dos fatos ocorridos e permitindo efetivação da punição àqueles que transgrediram a norma criminal.

Para Valdimir Aras (2011, p.428, aput LIMA, 2017, p. 614) existe quatro espécies de colaboração premiada, sendo assim especificadas:

a)             delação premiada (chamamento do corréu): além de confessar seu envolvimento na prática delituosa, o colaborador expõem as outras pessoas implicadas na infração penal, razão pela qual é denominado de agente revelador;

b)             colaboração para libertação: o colaborador indica o lugar onde está mantida a vítima sequestrada, facilitando sua libertação;

c)              colaboração para localização e recuperação de ativos: o colaborador fornece dados para a localização do produto ou proveito do delito e de bens eventualmente submetidos a esquemas de lavem de capitais;

d)            colaboração preventiva: o colaborador presta informações relevantes aos órgãos estatais responsáveis pela persecução penal de modo a evitar um crime, ou impedir a continuidade ou permanência de uma conduta ilícita.

 

Nesse norte, cabe salientar que afirma que o legislador ao criar a lei de organizações criminosas optou por utilizar o termo “colaboração premiada” ao invés de “delação premiada”. (LIMA, 2017, p. 614)

No que tange às consequências legais advindas da colaboração, tem-se presente a redução da pena privativa de liberdade ou substituição desta por restritivas de direito, ou até mesmo, ao critério do juiz, conceder o perdão judicial ao acusado. Tais gratificações ao colaborador estão amparadas no caput do artigo 4º da Lei 12.850/2013.

Diante do exposto, conclui-se que a o meio de prova consistente na colaboração premiada é de extrema importância como instrumento probatório no processo penal brasileiro, tem o intuito de aprimorar a investigação e possibilitar maior eficiência processual na busca pela verdade real em relação aos fatos delituoso cometidos no meio social. É, através deste instituto que se consegue, atualmente, extrair maiores informações de práticas criminosas complexas, bem como o descobrimento de um maior número de envolvidos em tais crimes.


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