A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL SOB O VIÉS DA SOLIDARIEDADE
Resumo
Desde a década de 1930 existe certa preocupação com as questões atinentes aomeio ambiente, todavia a expressão “Direito Ambiental” modernamente conhecidasomente passou a ser utilizada pela comunidade jurídica após a década de 1970. Nosanos 60 a clássica dicotomia entre Direito Público e Privado entrou em crise a partir daconstatação da existência de modalidades novas de direitos, os quais não seenquadravam em nenhuma destas categorias.Para Milaré (2015, p. 50) “na atualidade que protagonizamos, grande parte daproblemática global do Meio Ambiente – senão toda ela – gira em torno dasustentabilidade”.O meio ambiente ganhou espaço de valor supremo nas sociedades contemporâneaspor conta do quadro de progressiva degradação, aliado à inarredável verdade da finitudedos recursos naturais que, se esgotados, importará na estagnação das atividadeshumanas e, por consequência, no freio (ou até na involução) do desenvolvimento dignoda humanidade.A agressão aos bens naturais e à própria teia da vida, que põe em risco a existênciada humidade, é uma das calamidades que denomina Milaré (2015) como “pânicouniversal”, a qual assombra o gênero humano no início deste milênio.Ensina Cardoso (2010) que a Constituição Federal 2 de 1988 inovou em diversosaspectos, principalmente no que se refere ao estabelecimento de uma sociedade voltadaa um projeto solidarista, mediante ditames de justiça distributiva e social. Inclusive quantoà disciplina do meio ambiente – que ganhou status de direito fundamental estampado noart. 225: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de usocomum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e àcoletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.Fiorillo (2013) analisa a norma supra em quatro partes. A primeira reconhece o meioambiente como bem jurídico de natureza difusa, ou seja, aquele que se apresenta comotransindividual, indivisível e de titularidade indeterminada e interligada por circunstânciasde fato.
A próxima refere-se à compreensão do ambiente como de “uso comum”. Olegislador constituinte originário logrou existo ao criar um terceiro gênero de bem, em faceda natureza jurídica sui generis do meio ambiental, não sendo nem bem público nemprivado.Já o terceiro aspecto diz respeito à finalidade do bem jurídico em questão: essencialà sadia qualidade de vida. Esta abstração vincula-se diretamente ao princípio dadignidade da pessoa humana e aos direitos sociais, constantes dos artigos 1° e 6°respectivamente. Isto porque o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dospressupostos para a existência de vida, que por sua vez é condição para a dignidadehumana – porquanto não há o que se falar em dignidade sem vida.O aspecto de maior relevância a ser considerado do art. 225 é o dever imposto tantoao Poder Público quanto à coletividade de preservar e defender o meio ambiente para asatuais e futuras gerações – é o que os doutrinadores do Direito do Ambiente referemcomo “princípio da solidariedade intergeracional”.O termo solidariedade é polissêmico; além do tradicional sentido empregado noDireito Obrigacional, o dicionário Michaelis define-o como a “responsabilidade recíprocaentre os membros de uma comunidade, de uma classe ou de uma instituição” e como a“ligação recíproca entre duas ou mais coisas ou pessoas que são dependentes entre si”.É imperioso ressalvar que o significado ora adotado não diz respeito a ideia desolidariedade das comunidades ou instituições menores, como a família ou círculo deamizade (que se fundam em laços fraternais), tampouco à qualidade davirtuosidade/caridade de alguns indivíduos; refere-se, sim, ao “sentimento depertencimento e de responsabilidade para com a coletividade”. (REIS; FREITAS, 2017, p.73).Aliás, é somente no final do século XIX que a ideia de solidariedade se dissocia dasconcepções de caridade e filantropia, período que coincide – não por acaso – com oaumento das reinvindicações sociais e com a crise do Estado Liberal.A solidariedade está explicitada no art. 3°, I, da CF, bem como está presenteimplicitamente em diversos dispositivos de seu corpo, tal como o já referido art. 225. Emsede ambiental ela é facilmente verificável ante a natureza difusa e coletiva do direito aomeio ambiente ecologicamente equilibrado – que impõem ao Poder Público e àcoletividade o dever de preservar e defender o meio ambiente para as atuais e futurasgerações – o que o reveste de um caráter solidário e intergeracional.Explica Perlingieri (2002), citado por Reis (2007, p. 2038), que “o significado próprioque a Constituição pretende dar ao princípio da solidariedade é aquele da fraternidade
universal, o qual ‘supera o mito do fim superinividual’, tendo como interesse superior opleno desenvolvimento da pessoa humana”.Nessa esteira pontua Cardoso (2010) que uma sociedade que se desenvolve semaventar para o fato de que o ambiente precisa ser preservado para viabilizar a existênciadigna das presentes e das futuras gerações, além de violar um mandamentoconstitucional, atenta contra o valor da solidariedade.Na mesma esteira, defende Milaré (2015, p) que uma das características do quechamou de “comunidade sustentável” é o “forte senso de comunidade, solidariedade einiciativa própria para resolução de seus problemas”.Pelo exposto, fica claro que a solidariedade é vista como uma nova forma decompreender as relações sociais 3 (no Brasil a partir da promulgação da Constituição de1988), sua aplicação como princípio norteia todo o sistema jurídico por força da eficáciavinculante e objetiva das normas constitucionais e sua relação com o Direito do Ambienteé latente tendo em vista a obrigação constitucional de defesa e preservação incumbente atodos para com todos.Em contraponto, apesar de ser facilmente verificável, talvez essa faceta dasolidariedade seja a mais desafiadora para se perfazer, tendo em vista que vincula asações da sociedade a um interesse futuro – o que vai de encontro à constante humana daimediatibilidade, ou seja, é árduo à pessoa humana atuar em benefício de outrem queprovavelmente nem viverá para ver.Por fim, o que se busca não é a ruptura com o modelo capitalista, mas sim o efetivoequilíbrio, socialmente humanizado, entre produção, consumo e necessidades humanasatuais e futuras. Vale dizer que a solidariedade no campo do meio ambiente ganha umcaráter intergeracional, projetando-se para o futuro, compromissando as condutas daspresentes gerações àquelas vindouras, com vistas a garantir a sustentabilidade da vidahumana.
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