O POEMA QUE DÁ O TOM: ANGÉLICA FREITAS NAS CANÇÕES DE AS TUBAS

Talita Hoelz Ploia, Ângela Cogo Fronckowiak

Resumo


Angélica Freitas, poeta lésbica sul-riograndense, vem denunciando, através da poesia, atitudes não louváveis: a misoginia, o machismo, o sexismo. No entanto, vai além: por meio de um lirismo transgressor e de linguagem simples, a autora natural de Pelotas coloca a mulher em perspectiva e lhe confere protagonismo, questionando os estereótipos da sociedade patriarcal. Seu penúltimo livro, Um útero é do tamanho de um punho (COSAC NAIFY, 2012), tem recebido atenção da academia, que se debruça sobre a obra para falar de representações de gênero e de resistência na poesia. O próprio título é uma subversão de gênero: o útero não serve somente para reproduzir, é símbolo de luta também. O conjunto traz poemas sob a perspectiva do outro, que vê a mulher como objeto. A partir desse contexto, a pesquisa voluntária que faço busca resgatar o poético transgressor que transpassa corpos e vozes e aparece como interpretação singular, que carrega vivências e nuances do ser. O grupo musical As Tubas tem por costume recitar poemas de autoria feminina no início de suas apresentações. Dois escritos de Angélica Freitas foram escolhidos para vocalização durante a gravação do álbum Corpo | Espaço, de 2019. As escolhas foram uma ?mulher limpa?, ?uma canção popular (séc. XIX ? XX)? e ?mulher de vermelho?. No primeiro poema, a caracterização pejorativa da mulher salta aos olhos; o uso de substantivos animalescos, como ?patas? e ?focinho? entrega o modo como o senso comum vê uma mulher suja. No segundo poema mencionado, a limpeza ainda é um dos temas, mas agora há uma mulher gorda e bêbada, que incomoda. Já em ?mulher de vermelho?, é possível interpretar que a poeta constrói o texto a partir do raciocínio machista, que vê a cor vermelha, num corpo feminino, como sinal de desejo, um pedido sexual. Dito isso, é interessante notar que, na voz de As Tubas, os poemas não são vocalizados na íntegra e nem na ordem escrita por Angélica. Na canção ?Pelos Pelos?, as estrofes 9, 10 e 11 de ?uma mulher limpa? são recitadas; em seguida, três estrofes (5, 6 e 7) do segundo poema mencionado acima são vocalizadas. Então, as estrofes 2, 3 e 4 de ?uma mulher limpa? aparecem. As notas do piano, o chuleio e as vozes enfatizam a intensidade dos versos. A letra da música fala de corpo, dos pelos que nascem, implora ?que os deixem despontar?, sem violência. O tema da música conversa com a poesia de Angélica. O terceiro poema selecionado, ?mulher de vermelho?, é inserido na canção ?Recado?. Um apelo aos homens abre a música: que vejam todos os corpos como belos e dignos de respeito; depois, o mesmo apelo é dirigido às mulheres. Os instrumentos de fundo criam um som frenético, tenso. Silêncio, e a vocalização do poema inicia. A música retorna, num ritmo dançante. ?Por que não posso respirar, sair de casa, me soltar??, pergunta a mulher cantante. ?Eu não aguento ter que ser donzela, tentar ser sempre educada e me recatar?. A poesia de Angélica serve de base para expressar um anseio: liberdade para vestir o que bem queremos, para andarmos na rua sem medo. O corpo dizente interpreta e transforma as palavras dos poemas a seu modo e a voz que diz é carregada de subjetividade, faz parecer que os três poemas são um só. A voz dá vida ao poema e o tom é forte; para aqueles que estudam e assumem a fenomenologia, o poema precisa ser dito, de outra forma uma parte do texto está morta. A voz é parte essencial e não é neutra: é alma, é sentimento, é memória.

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ISSN 2764-2135