A FAMÍLIA NO ESPELHO: REFLEXOS DO CONTEXTO FAMILIAR NOS TRANSTORNOS ALIMENTARES

Larissa Libio, Dulce Grasel Zacharias

Resumo


Os transtornos alimentares representam perturbações graves relacionadas ao comportamento alimentar, em que o corpo assume excessiva valorização. Neste cenário, a Anorexia Nervosa se constitui como um quadro complexo, com causas multifatoriais, no qual se constata uma preocupação exagerada com o peso, distorção na percepção corporal e restrição alimentar. Estudos indicam que o contexto familiar também pode incidir sobre esse transtorno. Com este trabalho, buscou-se apresentar a relação e influência do contexto familiar de uma paciente com diagnóstico de Anorexia Nervosa no desenvolvimento e manutenção do seu quadro. Os dados apresentados estão pautados em estudo de caso de uma paciente em atendimento psicológico em um Serviço-Escola. Margarida (nome fictício), 42 anos, reside com os pais e foi encaminhada ao serviço de Psicologia pelo psiquiatra com diagnóstico de Anorexia Nervosa. Além do sofrimento psíquico relacionado à patologia, manifesta pensamentos e comportamentos obsessivos com relação à restrição alimentar e compulsão por limpeza. Conflitos familiares, instabilidade emocional e a crença na superação da doença se configuraram como fatores motivadores para a psicoterapia. Pode-se observar em relação ao seu contexto familiar o controle excessivo exercido pelos pais, o que reforça o seu quadro de Anorexia, uma vez que a restrição alimentar se constitui como a única forma de controle encontrada por Margarida. A família da paciente evidencia características nítidas de evitação de conflitos, pois tenta esconder a doença, encarando-a como uma disfuncionalidade exclusiva de Margarida. No desempenho dos papéis parentais se inscrevem a superproteção materna e o distanciamento afetivo paterno. Rigidez, regras e excessiva preocupação com limpeza também se fazem presentes neste contexto. A busca por aceitação, característica do transtorno alimentar, também se reflete no que ela busca na família, especialmente na figura paterna: o desejo por um olhar de aceitação e o anseio de ser amada. Margarida assumiu na família uma posição de submissão. Na infância sentia-se culpada quando os pais criticavam seu cuidado com os irmãos. Na adolescência, com a irrupção dos sintomas, a culpa recaiu sobre “ter se tornado anoréxica”. A postura rígida e crítica do pai inibem atitudes independentes de Margarida, que busca satisfazer as necessidades dos outros membros, não conseguindo barrar suas solicitações. Submete-se à vontade dos outros, por culpa e por dificuldade de se diferenciar das figuras parentais, em detrimento de sua autonomia. Margarida almeja corresponder às expectativas da família, especialmente dos pais. O controle exercido sobre seu corpo reflete uma tentativa de se diferenciar da figura materna e conquistar uma noção de identidade. Parece ter afirmado o sentimento pela mãe, o que não se concretiza com a figura paterna. A patologia mantém o foco da família sobre ela, ao mesmo tempo em que sua dinâmica familiar apresenta forte influência na manutenção do seu quadro. Constata-se a presença de padrões de interação familiar que mantêm e reforçam o transtorno. Evidenciam-se também movimentos da família em tentar esconder a doença da filha, mantendo no espaço privado o problema, numa tentativa de controlá-lo. Embora os atendimentos de Margarida sejam individuais, conclui-se a importância de trabalhar o sistema familiar, a fim de possibilitar a desconstrução de diálogos limitantes e padrões da família que têm se mostrado disfuncionais.

Palavras-chave: Transtornos Alimentares; Anorexia Nervosa; Dinâmica Familiar.


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