CAMINHANDO PELA CIDADE, CONSTRUINDO REDES: O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO COMO DISPOSITIVO DE CUIDADO A UMA MULHER USUÁRIA DE ÁLCOOL

Carina Ferreira dos Santos, Janaíra de Oliveira Terres, Moises Romanini

Resumo


A Rede de Atenção Psicossocial desenvolveu-se com o lançamento da Portaria n° 3.088 de 23 de dezembro de 2011, que determina a garantia de direitos humanos, autonomia, humanização e estratégias de cuidado no âmbito da saúde mental. Entre a organização de novos serviços, surgem os Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas (CAPS AD), que oferecem espaços coletivos para tratamento e reabilitação psicossocial, assim como um cuidado às diversas formas de enfrentamento dos sujeitos que fazem uso de álcool e outras drogas. Ao considerar as questões subjetivas e psicossociais do adoecimento, destaca-se o Acompanhamento Terapêutico (AT) enquanto dispositivo que potencializa e coloca em análise a construção de redes de cuidado em saúde mental, em uma dimensão política, e que provê cuidados na relação singular dos sujeitos com as cidades e nas produções de subjetividades, em uma dimensão clínica. O AT se destaca por estar fora do espaço institucional, por ser uma prática que liberta e que desconstrói o modelo manicomial. Este dispositivo permite a aproximação dos profissionais de saúde com pessoas que não se adaptam às formas mais tradicionais de tratamento, ou mesmo aos grupos e oficinas ofertados nos serviços substitutivos da Reforma Psiquiátrica. O acompanhamento terapêutico surge no CAPS AD III de Santa Cruz do Sul enquanto uma intervenção a partir da problematização sobre a invisibilidade de mulheres no serviço. O apagamento da subjetividade de uma mulher usuária de álcool trouxe questionamento à prática exercida na instituição, visto que existiam lacunas em relação à sua história de vida, o que a invisibilizava diante do grupo terapêutico no qual participava semanalmente. As indicações para o AT são influenciadas pelas incapacidades funcionais que a usuária apresenta. Como é referido por alguns autores do campo da saúde mental, incapacidade funcional é a dificuldade ou a impossibilidade de desempenhar atividades da vida cotidiana. As intervenções devem ser direcionadas para os problemas específicos que o sujeito apresenta, tais como as relacionadas às incapacidades funcionais e busca de autonomia e autogerenciamento de sua vida. A usuária acompanhada apresentava dificuldade em gerenciar questões referentes à saúde, moradia e alimentação, por exemplo, e os acompanhamentos aconteceram em vários pontos da cidade, como: farmácia, CRAS e Fórum. Esses momentos de acompanhamento para além do CAPS tornam visíveis outras situações que estavam sendo vivenciadas por essa mulher, referente à falta de alimento, a dificuldade de dar continuidade ao tratamento oftalmológico, a dificuldade de se localizar em locais que iam para além do CAPS, Farmácia e Banco, que já eram trajetos decorados pela usuária, lançando um olhar para além do uso de drogas. Foi possível observar uma ampliação na rede de apoio, no primeiro momento, a usuária mantinha contato mais próximo unicamente com a profissional de referência do grupo feminino, nas últimas conversas a usuária trouxe relatos de procura por outras figuras (irmã e vizinho) para acompanhá-la em outros locais, assim como interesse na continuação do tratamento oftalmológico. O AT é de extrema importância para repensar os modos de adoecimento mental entre mulheres, no sentido de entender a origem de seus sintomas e de suas formas de existir, que vai para além do uso de uma substância, dando visibilidade aos estigmas que atravessam a realidade de muitas mulheres.


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