FAMÍLIA E CRACK: (RE)INSCREVENDO RELAÇÕES A PARTIR DO CENÁRIO SOCIAL CONTEMPORÂNEO!

BRUNA ROCHA DE ARAUJO, EMANUELI PALUDO, GIÓRGIA REIS SALDANHA, EDNA LINHARES GARCIA

Resumo


Este trabalho apresenta reflexões a cerca da temática da família e uso de drogas, a partir dos dados da pesquisa 223A realidade do crack em Santa Cruz do Sul224, realizada desde 2010 na Universidade de Santa Cruz do Sul. A coleta de dados desta pesquisa se deu por meio de entrevista semiestruturada (quantitativa e qualitativa) e alcançou 100 usuários de crack e 100 familiares de usuários de crack, contatados por meio de serviços de saúde. Inicialmente realizou-se análise dos dados quantitativos que se referiam, principalmente, ao contexto social, econômico e familiar. Neste ano, vem sendo desenvolvida análise qualitativa com a metodologia de análise dos sentidos produzidos no discurso dos familiares sobre o uso do crack e outras drogas. No contexto brasileiro de uso de crack, a família vem sendo interpelada de modos distintos, ora como cuidadora dos usuários de drogas, ora como causadora do adoecimento e do uso extremo de drogas. Entretanto, compreendemos que o uso e o abuso de drogas envolvem um amplo espectro de fatores sociais, históricos, culturais, econômicos, etc. Para tanto, é fundamental compreender a família como invenção social que se reinventa nos contextos históricos e políticos, desmistificando sua existência como natural e universal, reconhecendo-a como parte da sociedade, em que paradoxos e conflitos sociais se presentificam. O encontro com a realidade evidenciou experiências familiares semelhantes no que diz respeito às questões sociais, econômicas e culturais e, ao mesmo tempo, apontou para modos singulares de vivenciar as relações familiares. Nesse contexto, não há como individualizar e privatizar o uso de drogas, pois a família se organiza pelos modos de viver, experienciar e se relacionar, produzidos socialmente, configurando-se inclusive como estrutura que cumpre papel essencial nesta produção. Entretanto, identificamos nas narrativas dos familiares, uma autoculpablização pelo uso de drogas por parte de um membro de sua família, desconsiderando a complexidade de elementos envolvidos para tal determinação, entre os quais a relação do Estado e das políticas públicas numa sociedade capitalista. Os sentidos são enunciados a partir da idealização do que é ser família, de forma que quaisquer desvios e diversidades desses modelos ideais são tidos como justificativa para o uso de drogas. Articulam-se, então, discursos acerca da relação uso de crack-família, ora identificando-a como causadora ou responsável pelo uso de drogas e pela falha no cuidado para com estas pessoas, ora apontando-a como vítima do usuário de crack, o qual é tomado como destituído de qualquer controle sobre sua vida. Decorre, daí, a compreensão de que o contexto familiar, comunitário e social não seja apto para cuidar do usuário de crack. Torna-se importante problematizarmos estes discursos, pois produzem uma determinada compreensão da situação para a qual não resta saída senão a internação e o isolamento do usuário. Perguntamo-nos: não estão estes discursos articulando o círculo uso de crack-internação/isolamento-falha individual ou desestrutura familiar-uso de crack-internação/isolamento? Neste contexto, ficam evidentes os desafios a Reforma Psiquiátrica no cuidado aos usuários de álcool e outras drogas e a suas famílias, principalmente, para o fortalecimento da lógica da redução de danos, na medida em que parecem arraigados os discursos/práticas com vistas a abstinência, sustentados pela lógica da individualização e culpabilização.240


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