"UM HUMANO" CONTRA A REESCRAVIZAÇÃO DE NEGROS: O CASO DE FLORIPA E BENEDITA

JESSICA RIOS POTHIN, ROBERTO RADUNZ

Resumo


Em meados do século XIX, territórios e fronteiras começaram a ser estabelecidos entre os Estados Independentes que se constituíam na América e essa demarcação, no caso da fronteira do Brasil com o Uruguai, envolveu também a legitimidade jurídica da escravidão. A partir da lei abolicionista uruguaia de 1842, todos que nascessem e passassem pelo Uruguai, após esse decreto, estariam livres da escravidão. O discurso abolicionista das autoridades uruguaias tinha muito mais objetivo de demarcar seu território perante o império do que libertar os negros orientais do cativeiro. No Brasil ocorreu uma modificação na legislação com a aprovação, em 1850, da Lei Eusébio de Queiroz que proibia o tráfico de escravos. Mesmo com tais leis, a fronteira continuou sendo o local de passagem de negros do estado oriental para o Brasil e vice-versa. Essa transição de fronteira gerou ilegalidades tratadas de maneira distinta entre o Império e o Estado Oriental do Uruguai. Uma dessas ilegalidades gerou o processo crime julgado na vila de Jaguarão no ano de 1858, quando Antonio da Costa Silveira fez uma denÚncia em seu jornal, O Despertador, de que Antonio Nogueira Oliveira teria cometido o crime de reduzir à escravidão duas sub ditas orientais. Esta pesquisa tem como objetivo analisar o processo crime em que Oliveira é acusado de reduzir à escravidão Floripa e Benedita do estado oriental, nascidas e batizadas em Cerro Largo, Departamento Uruguaio, sendo Floripa conhecida pelo nome de Ambrosia pelo batismo. A base empírica é formada pelo processo crime que consta do acervo do Arquivo PÚblico do Estado do Rio Grande do Sul - APERS, N 2393, M 72, E 99. Em termos de metodologia, o processo de mais de setenta páginas foi digitalizado no acervo do APERS e devidamente transcrito. Em termos de resultado da transcrição do processo, o proprietário do jornal de Jaguarão O Despertador, Antonio da Costa Silveira, publicou uma denÚncia sobre duas sub ditas orientais irmãs, Floripa e Benedita, acusando Oliveira de reduzir à escravidão estas pessoas livres. Essa denÚncia publicada num box sem grande destaque do jornal é assinada por Um Humano, possivelmente porque não queria expor seu nome. Pode-se perceber que havia um conflito pessoal entre Oliveira e Silveira, como os dois fazem menção em seus testemunhos, ou seja, "que não havia afeto entre eles e que eram inimigos políticos". Como as vítimas eram do estado oriental, os documentos da igreja e do Vice Consul Oriental (certidão de batismo e documento que comprovam a nacionalidade) foram transcritos do castelhano de fronteira daquele período. Em conclusão Oliveira apresentou documentos que comprovaram que não possuía a parda Maria Benedita e "que esta é pessoa livre". Também comprovava possuir a escrava Floripa com justo título "e com o documento sob nº 7 não ter esta parda, jamais existido em meu poder, e sim em poder de Dona Liberata Cardosa". O meritíssimo juiz declarou: "Julgo improcedente o presente procedimento official instaurado contra o indicado Antonio Nogueira d' Oliveira, a vista das provas dos autos, das quaes resulta a liberdade da preta Ambrosia [...]". Oliveira ficou livre da acusação de reduzir à escravidão pessoas livres do estado oriental. Esta pesquisa está vinculada ao projeto "Escravos, senhores e colonos: redes, conflitos e negociações no Vale do Rio Pardo".


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