TRADUÇÃO TRANSCULTURAL NO FILME O: OTHELO ONTEM E HOJE

ADRIA GRAZIELE PINTO, ANA CLAUDIA MUNARI DOMINGOS

Resumo


Ao contemplar a linha de pesquisa "Processos narrativos, comunicacionais e poéticos" do Departamento de Letras da UNISC, cujo objetivo é investigar os processos de conhecimento e de sentido inerentes à leitura de obras narrativas ficcionais, entre elas o teatro, o cinema e a literatura, desenvolvemos um trabalho monográfico incumbido de estabelecer, através da transculturalidade, um diálogo entre duas das maiores artes: o teatro elisabetano e o cinema contemporâneo. Reconhecido mundialmente como o maior escritor da língua inglesa e dramaturgo mais influente do mundo, William Shakespeare é um dos principais responsáveis por alterar os rumos do teatro em Londres ao exemplificar, apaixonadamente, a complexidade do espírito do homem em relação à sua existência. A magnitude de suas obras sustenta-se até os dias atuais, graças também à interação do teatro com outra arte: o cinema. O elo entre os dois períodos distintos pode ser encontrado ao observarmos a narrativa do filme O (2001), dirigida por Tim Blake Nelson e escrita por Brad Kaaya, em que há presença de uma interlocução transcultural entre um drama contemporâneo estadunidense e a tragédia elisabetana Othelo. Escolhemos, neste trabalho, encarar o resultado da apropriação cinematográfica como obra independente e original ao contemplar o conceito de tradução transcultural que é definido quando uma obra instalada em um determinado espaço é transportada para um contexto contemporâneo, mantendo um diálogo com o texto-fonte, apesar das transformações sofridas. Ao centralizar a análise nos protagonistas - Othelo/Odin e Iago/Hugo -, examinamos a figuração dessas personagens, contrastando a figura clássica do herói e do antagonista elisabetano com a reprodução contemporânea apresentada pelo filme, ao mesmo tempo em que pontuamos outros elementos culturais que são transferidos ou mantidos do drama para a obra cinematográfica. A peça shakespeariana aborda o ciÚme como tema principal e concebe uma dimensão clássica a esse sentimento corriqueiro, tornando Othelo o símbolo do ciÚme desmedido e irracional. Ao explorar, como pano de fundo, as batalhas marítimas de Chipre, o bardo apresenta o mundo de um general negro inserido em um mundo de brancos. Em O, a tragédia do ciÚme é recriada ao apresentar a história de Odin James (Mekhi Phifer), o jogador de maior prestígio da equipe de basquete de Palmetto Grove Academy. Ao adaptar a narrativa do mouro de Veneza para um cenário contemporâneo, o filme passa a dialogar com um novo pÚblico receptor que devota à nova composição um caráter de autenticidade, sem sentir necessidade de resgatar a imagem do texto-fonte, fazendo com que a transposição sustente-se como obra independente. Após compararmos o dialogismo presente entre as obras, concluímos que a adaptação O conserva, em parte, a relação antagônica entre as personagens protagonistas, preservando alguns aspectos do drama de Shakespeare, ao mesmo tempo em que se utiliza de recursos próprios para sustentar a autenticidade dessa analogia, que, por se tratar de uma adaptação transcultural, exige modificações.


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