A PROMESSA DE LIBERDADE E A REESCRAVIZAÇÃO DE MARCELINA.

Joice Nunes de Souza, Olgário Paulo Vogt, Roberto Radünz

Resumo


A escravidão no Brasil permaneceu até ao final do Império. Na sua última etapa, um conjunto de leis aprovadas pelo parlamento, somadas às resistências dos escravos e à ação de abolicionistas, sinalizava para a exaustão do trabalho baseado na mão de obra escrava. Nesse período muitos cativos alcançaram a alforria sob condição ou mesmo comprando sua liberdade. Essa nova condição não era garantia de emancipação, uma vez que, estigmatizados pela cor, eram vistos e tratados pela sociedade branca como potenciais cativos. Nesse sentido, não eram incomuns negros alforriados serem reduzidos à escravidão pela ilegalidade. Esse é o caso da parda Marcelina que, mesmo com a promessa de liberdade sob condição, foi matriculada a posteriori como escrava pela senhora de seu falecido proprietário. A presente comunicação tem como objetivo analisar este caso que, pelo rogo da justiça, teve o arbitramento de sua liberdade acolhido. Não era incomum, nos últimos anos de escravidão, os senhores concederem alforria condicional, ou seja, o escravo deveria trabalhar por um determinado período ou até a morte de seus amos. A suplicante havia recebido alforria sob condição de trabalhar para seus senhores até a morte dos mesmos. Com a morte de seu senhor Joaquim Fernandes Barbosa sua senhora matriculou ilegalmente, segundo o processo, Marcelina como escrava. Essa análise tem como base empírica o processo crime (APERS: 1873. Civil e Crime N. 164, E. 129) de arbitramento de liberdade que deu entrada no Juízo Municipal da Villa de São João Baptista de Camaquam em 1873. O traslado do processo contem 120 páginas que foram digitalizadas e devidamente transcritas. Nele Marcelina, parda 20/25 anos de idade, profissão engomadeira é levada à justiça em razão dos maus tratos físicos que vinha sofrendo de sua senhora. Essa, por sua vez, repassou a autoria das agressões a seu filho. No transcorrer do processo, Delfina, senhora da escrava, propõe, para encerrar o processo, conceder alforria definitiva desde que a escrava lhe pague quinhentos mil reis no prazo de 60 dias. Sem condição de pagamento, o processo continua assentado no argumento das agressões físicas. Mesmo com a alegação do advogado de defesa que não havia exame de corpo de delito atestando as agressões, o juiz concedeu a solicitação de depósito de sua pessoa em uma casa de família. O presente processo crime mostra o quanto os escravos lutaram para conseguir sua liberdade, muitas vezes negadas pelos arranjos jurídicos. A propósito, a historiografia marxista por muito tempo sustentou a tese da coisificação do escravo, retirando desse sujeito a capacidade de se rebelar contra a estrutura escravocrata. O caso de Marcelina, ao lado de muitos outros processos que deram entrada na justiça, sobretudo nos anos finais da escravidão, atestam a resistência escrava pelas vias legais, mesmo que, seus pleitos e sua voz tivesse que reverberar através dos operadores da justiça ou de pessoas livres. 


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