"A MESMA AUTORA LIVRE É, PORQUE DE VENTRE LIVRE NASCERA": A UTILIZAÇÃO DA “LEI PARA INGLÊS VER” NA LIBERTAÇÃO DE ESCRAVOS NA PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL
Resumo
A partir do início do século XIX, com a pressão da Grã-Bretanha, vários países americanos iniciaram movimentos abolicionistas. Contudo, o Brasil, tendo o tráfico negreiro transatlântico como um dos principais fatores econômicos, não pretendia dar fim à escravidão. A Grã-Bretanha passou, então, a cobrar um processo gradual de término do comércio de cativos como condição para o reconhecimento internacional da independência do Brasil. Essa exigência foi cumprida com a promulgação da Lei de 07 de Novembro de 1831, a Lei Feijó, afirmando que "todos os escravos, que entrarem no territorio ou portos do Brazil, vindos de fóra, ficam livres. (...)". Essa legislação, atualmente, é conhecida como "Lei para inglês ver", pois nunca foi efetivamente aplicada, somente como uma demonstração de que o Brasil combatia o tráfico negreiro. Foi apenas no final da década de 1850 que alguns juízes e abolicionistas passaram a interpretar a lei em favor de escravos que haviam cruzado a fronteira do Império, principalmente com os países do Prata, retornando como livres. Com isso, eram comuns casos de re-escravização ilegal nas fronteiras do Brasil. Este trabalho objetiva analisar a interpretação da "Lei para inglês ver" na libertação de escravos, tomando como base documental o caso da parda Arminda, que relata, em um processo-crime, a trajetória de três gerações de cativas (avó, mãe e filha) supostamente ilegais, e o julgamento de Feliciano Pereira Henriques, o senhor que mantinha Arminda cativa. Durante a Revolução Farroupilha, o casal Simão Soares dos Santos e Firmina Soares de Freitas migrou para o Estado Oriental do Uruguai levando, entre seus bens, a escrava Maria. Nestas bandas, Maria deu à luz a Rafaela. Com a eclosão da Guerra Grande no Uruguai (1838 a 1851), o casal regressou à Província de São Pedro. O senhor das cativas morreu anos depois. Rafaela passou, na partilha de bens, para a filha de Simão, Anna Soares, casada com Feliciano Pereira Henriques. Posteriormente, Rafaela concebeu Arminda. Segundo a Lei Feijó, escravos vindos de fora do país seriam considerados livres. Esse era o caso de Maria e Rafaela. Em tese, Arminda era nascida de ventre livre. Com a morte de Anna Soares, Henriques manteve Arminda como cativa. A parda, através de seu curador, denunciou Henriques à justiça na Comarca de Encruzilhada, no ano de 1883, acusando-o de redução à escravidão. O juiz acolheu a denúncia baseado na Lei Feijó, dando início ao julgamento. Esta pesquisa, tendo como referencial teórico a Micro-História, foi baseada, principalmente, na transcrição e análise do processo-crime do caso da parda Arminda (APERS: 1883 - Civil e Crime. N°. 1714, E. 122, M. 55) e de inventários post-mortem. A partir deste suporte primário, foi analisada a Lei Feijó e enquadrada no âmbito do processo. Além disso, o caso foi contextualizado através de uma revisão bibliográfica sobre a legislação vigente e sobre a escravidão no contexto da fronteira. Na fase atual, estão sendo buscadas informações sobre a família e outros indivíduos mencionados no processo. O estudo resultou em uma análise da utilização da Lei Feijó, interpretada em favor da libertação de escravos que saíam do Império. Demonstrou a complexidade dos procedimentos legais que envolviam a fronteira e seu caráter libertador/escravizador. Após o processo do julgamento, Arminda, Rafaela e Maria foram libertadas do cativeiro. Henriques, contudo, foi igualmente liberado por ter cometido o crime sem conhecimento da lei, sem "má fé".
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