OS NARRADORES DE BERNARDO CARVALHO: EXPERIÊNCIA, TESTEMUNHO E INVENÇÃO.
Resumo
O presente resumo vincula-se ao projeto Vozes da cultura contemporânea 2: o narrador na cultura da conexão, coordenado pela Profª Dr. Ana Cláudia Munari, cujo intuito é analisar e comparar obras literárias em língua portuguesa, a fim de prospectar sobre mentalidades e tendências da ficção contemporânea, com ênfase na função do narrador. A literatura, como forma artística, reflete ou refrata as rotinas sociais; assim, destacamos a narrativa em primeira pessoa, a "escrita do eu", como uma das principais tendências da produção contemporânea, influenciada diretamente pelas mídias digitais e o individualismo que elas proporcionam (Lipovetsky, 2006). Desta forma, a hipótese de estudo deste trabalho passa a ser o resultado da convergência destas linguagens e modos de dizer: narradores de ficção que se dividem e se confundem, entre protagonistas e personagens, na própria consciência de sua autoria e no ato da escrita - a exemplo da autoficção. Nossos objetos de análise são duas obras de Bernardo Carvalho, Mongólia (2003) e Nove Noites (2002), ambas vencedoras do prêmio Jabuti na categoria romance e integrantes do corpus da pesquisa que origina o presente estudo. O caráter de nossa pesquisa revela-se, portanto, essencialmente interpretativo, na medida em que busca compreender seus elementos narrativos como integrantes de uma forma específica de escritura. Ao definir a autoficção como uma "máquina de mitos do escritor", Diana Kingler (2007) analisa que a tendência se mostra através de passagens nas quais narrador e autor se confundem em relatos de vivências, que se ancoram em referentes, ou nos trechos em que vêm à tona o próprio processo de escritura. Essa voz, assim, coloca em suspeição o vínculo entre a "mentira" e a "confissão", pois há uma criação de subjetividade que surge a partir de uma verdade que é previa ao texto. Esta perspectiva permite enxergar a noção do relato como uma performance (KLINGER, 2007) do próprio autor do texto. As obras de Carvalho em análise se destacam por utilizarem amplamente esses recursos. Mongólia foi escrita através de uma bolsa de Literatura concedida pela editora Cotovia, que financiou a viagem do autor ao país que dá título à obra. A história é narrada por um personagem que encontra dois diários com relatos de viagens de sujeitos que estiveram na Mongólia. Para o leitor que sabe que o autor fez a mesma viagem que seus personagens, a narrativa mistura-se entre ficção, experiência e testemunho. Na trama de Nove Noites, o narrador-jornalista e o autor confundem-se ainda mais, e o leitor é levado a crer que é Carvalho quem narra - tanto por suas semelhanças, quanto pelo discurso metaficcional. Em ambas obras há, na orelha do livro, uma foto de Carvalho nos locais que sustentam as tramas: Mongólia e Xingu. Através deste paratexto (Genette, 2006), a presença física de Carvalho, enquanto autor, é colocada em destaque nos locais sobre os quais narra, invocando o leitor a assinar o contrato que mistura ficção e realidade. A partir do entendimento de que a relação entre mentalidades e práticas sociais criam tendências e que, na literatura, elas se revelam pelas formas de enxergar e expressar a realidade - numa posição do sujeito sobre si mesmo e sobre os outros -, Bernardo carvalho surge como um forte representante da literatura contemporânea, realizando performances de si mesmo, numa escrita carregada de traços autoficionais, onde os limites entre o que é invenção e o que é real são nebulosos.
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