A COISIFICAÇÃO DOS ESCRAVOS E O CASO DOS PARDOS BARNABÉ E JOÃO

Tiago Maculan Zuchetto, Roberto Radünz

Resumo


A organização do tráfico de escravos dentro do território brasileiro, tendo como base a leitura de processos comerciais e/ou criminais, durante o período imperial, mostram não somente a questão de custos e lucros com o negro servil, por parte de comerciantes, como também revelam a coisificação dos escravos, evidenciando uma condição social a qual estes estavam inseridos. Tal situação fora “arranjada” pelos próprios senhores proprietários de escravos, chancelados pelo direito positivo, que sustentava a condição de coisa do escravo tornando-se essencial para o ordenamento jurídico da sociedade em questão (MALHEIRO). Evidenciado nos autos do Processo Crime nº 4650, datado de 23 de janeiro de 1849 na cidade de Rio Pardo, referente à uma briga envolvendo dois escravos, Barnabé, o réu, pertencente à Dona Aguida Simões Pires, e João, vítima, pertencente à Dona Constancia Maria de Mello. Seguindo a descrição processual, o pardo Barnabé é acusado de ferir o escravo João com uma pedrada na cabeça após uma briga. Barnabé foi recolhido até o veredito do juiz e João ficou impossibilitado de trabalhar por um período. Foram notificados dois peritos, o cirurgião Joaquim José da Silveira e o cirurgião ajudante Delfino Joaquim. Constataram, segundo o laudo, “uma contusão na parte lateral da frente do rosto, ao lado esquerdo, bem como um ferimento na mesma parte frontal na parte superior, encontrava-se bastante delicada, e denotava ter sido produzido por um instrumento que não oferece grande perigo de vida.” Ainda salientaram que o risco poderia ser maior salvo algum descuido em seu curativo, além de calcularem um tempo de mais de quinze dias para sua recuperação. Nesse tempo a vítima não poderia trabalhar exposta ao sol, no que poderia resultar gravíssimo danos à saúde. Em sua declaração, D. Aguida Simões Pires, proprietária do pardo Barnabé, reconheceu que este feriu o escravo João, pertencente à D. Constancia Maria de Mello, com uma pedrada na cabeça, o que sem dúvida o impossibilitou de trabalhar. De acordo com os autos, a suplicante ficou obrigada a pagar todas as despesas relativas aos dias em que João ficou incapaz de exercer suas funções. Conforme o jurista Perdigão Malheiro, na obra A Escravidão no Brasil escrita na metade do século XIX, o escravo estava “reduzido à condição de cousa, sujeito ao poder e domínio ou propriedade de um outro, é havido por morto, privado de todos os direitos, e não tem representação alguma” (MALHEIRO: 1866, v. 1, p. 16). Este processo criminal reflete o pensamento dos senhores de escravos que acreditavam estar lidando com criaturas irracionais, semelhantes ao gado de suas propriedades, e o tratamento a eles concedido, lembrava em vários aspectos o mesmo ao dado aos animais. Torna-se preciso, portanto, compreender as questões implícitas nos processos crimes e/ou comerciais como o apresentado, dos pardos Barnabé e João, mostrando que o domínio que o senhor proprietário exercia sobre o escravo era baseado no “direito positivo”, e não no “direito natural”, e que ao negar aos escravos as mesmas condições dignas de vida, acaba por excluir a parte escrava da comunhão social, evidenciando sua condição de coisa a qual estavam submetidos.

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