OLHARES SOBRE AS RELAÇÕES AFETIVAS NA CONTEMPORANEIDADE: NADA A DIZER, DE ELVIRA VIGNA
Resumo
O presente trabalho consiste em uma interpretação do romance Nada a dizer, de Elvira Vigna, enfocando especialmente o ponto de vista da narração e a constituição das personagens (femininas e masculinas) em seus estados afetivos e relacionais entre si e/ou no âmbito social. A partir do processo hermenêutico, busca identificar e entender as pulsões, os elementos culturais e sentimentais que impregnam o texto literário e podem fazer sentido para o leitor. Lançado em 2010, o romance conquistou o prêmio de melhor livro de ficção da Academia Brasileira de Letras, além de figurar entre os finalistas do prêmio Portugal Telecom de Literatura. Vigna procura, em seus romances, refletir sobre temas atuais, relacionados a questões éticas, a instabilidades identitárias e ligadas a gênero. Nada a Dizer é um romance que conta a história da traição do ponto de vista da mulher traída. Nesta obra, a autora apresenta uma profunda reflexão acerca dos relacionamentos conjugais na contemporaneidade, retratando indivíduos cultos, emancipados, política e ideologicamente comprometidos, mas vivendo relações embaladas em mentiras, aparências e superficialidades. Através de um texto literário muito bem estruturado, com mestria e a presença de um “eu narrativo” bastante potente, seduz o leitor a assistir às volubilidades inerentes a um triângulo amoroso. O insight do livro está, justamente, no fato de esconder a própria narradora: não sabemos em momento algum o seu nome. Com o objetivo de compreender e interpretar o presente romance, bem como o seu universo afetivo, sentimental, social e ideológico, neste trabalho, propomos, em primeiro lugar, uma reflexão acerca do ponto de vista hermenêutico, o qual sustenta teoricamente a escrita do trabalho; valemo-nos aqui do livro Hermenêutica (2006), de Richard Palmer, para apresentar alguns aspectos essenciais que caracterizam uma perspectiva de estudo dessa natureza. Em seguida, procedemos à leitura do romance, buscando explicitar a constituição das personagens e a forma como ocorrem as relações sentimentais entre elas, sempre levando em conta o ponto de vista da narração a respeito do universo do qual trata; por fim, concluímos com uma reflexão acerca do universo feminino e das principais questões sociais, afetivas e ideológicas ali implicadas. A partir de uma atitude hermenêutica, que se efetiva na escuta do texto literário, podemos assinalar a presença não de uma voz narrativa, mas de várias, todas elas impregnando o ponto de vista segundo o qual o romance se constitui. São perspectivas aparentemente conflitivas, que se misturam na intimidade da personagem narradora. Ao interpretar a obra de Elvira Vigna constatamos que a narradora tenta esmiuçar o pensamento feminino a respeito da traição. A personagem, que narra com detalhes o adultério cometido pelo parceiro, busca despir-se de preconceitos e de máscaras e trata do tema de um ponto de vista feminino, minimizando-o, de certo modo, não fazendo dele razão para mortes ou guerras, embora não consiga disfarçar a melancolia. A infidelidade masculina é aceita na sociedade contemporânea de maneira totalmente diferente da feminina e a narrativa de Elvira Vigna, ao expor o ponto de vista da mulher, explicita esses aspectos; além disso, concebe a possibilidade de perdoar o adúltero e aceitar a continuidade da relação. Assim, percebemos que a condição feminina não constitui um simples tema literário, mas é a substância mesma que nutre a narrativa.
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