A PROTEÇÃO AO DIREITO À DESCONEXÃO E DANO EXISTENCIAL NO TELETRABALHO A PARTIR DAS ALTERAÇÕES DA CLT PELA LEI Nº 13.467/2017
Resumo
Com o advento da globalização e inserção das novas tecnologias na sociedade e especialmente no mercado produtivo, as relações de trabalho sofreram profundas alterações. As constantes crises enfrentadas pelo capitalismo e o desenvolvimento de maquinário que substituiu substancialmente a mão de obra humana, que exigiu uma nova geração de trabalhadores mais qualificados, levou a uma tendência de flexibilização das garantias trabalhistas.
No Brasil, seguindo essa tendência, aprovada e publicada a Lei n.º 13.467/2017, responsável pela reforma trabalhista. Diante desse cenário o presente trabalho tem como tema a tutela do direito à desconexão no teletrabalho no Brasil, a partir das alterações previstas na citada lei, que entra em vigor dia 11 de novembro de 2017.
Como método de abordagem adotou-se o dedutivo, já como técnica de pesquisa adotou-se a bibliográfica e a documental. Com efeito, procurou-se responder ao seguinte problema: o teletrabalho regulado pela Lei n.º 13.467/2017 possui mecanismo de proteção ao direito à desconexão e a tutela do dano existencial?
Nesses termos, se reconhece que as alterações promovidas pelo desenvolvimento tecnológico não ficaram restritas às fábricas e estabelecimentos comerciais. Com as novas tecnologias, as pessoas estão constantemente conectadas e, com isso, mais disponíveis, trazendo reflexos no cotidiano das pessoas, integrando vida pessoal, acadêmica e laboral. Dentre essas alterações se insere o teletrabalho.
Além da redução de gastos e aumento da competitividade citado por parte da doutrina, o teletrabalho responde a diversos problemas “modernos” tais como a desordem urbana, poluição atmosférica, distância geográfica das empresas (tais como multinacionais) e, inclusive, a inclusão de pessoas com deficiência (WINTER, 2005).
Nesses termos, a Lei n.º 13.467/2017, responsável pela reforma trabalhista, estabeleceu como teletrabalho em seu art. 75-B, caput, “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo” (BRASIL, <www.planalto.gov.br>).
Nesse sentido, importante destacar aqui que o presente estudo compreende apenas o teletrabalho subordinado, regulado pela referida lei. Isso posto, Winter (2005) afirma que para configuração da relação de emprego no teletrabalho é necessário a identificação de 3 aspectos principais: (a) a distância dos sujeitos envolvidos no contrato; (b) a interdependência funcional entre tais sujeitos e o emprego da tecnologia; (c) a flexibilização na organização tanto na forma de emprego como na forma de subordinação.
Tratando-se de um trabalho subordinado pode-se afirmar que o objeto é questão é uma modalidade de trabalho, caracterizada por ser um serviço prestado com subordinação, sob dependência, mediante salário, mas que é realizado fora do ambiente laboral do empregador.
Ocorrendo fora do estabelecimento comercial suscita a questão sobre a indenização, custeio e/ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e infraestrutura necessária à prestação do trabalho remoto. Nesses termos, o art. 75-D da lei em análise prevê que tais questões serão estabelecidas no contrato de trabalho, não integrando a remuneração do empregado. Contrato este que deverá conter expressamente a condição de teletrabalho.
Contudo, ao analisar-se o direito à desconexão, verifica-se que a referida lei não regulamenta a jornada e seu respectivo controle, estabelecendo, inclusive, que os limites de 8 ou 12 horas não se aplicam aos empregados em regime de teletrabalho, conforme art. 62, III, da Lei n.º 13.467/2017. Nesses termos, verifica-se que a legislação preocupou-se em evitar possíveis complicações que uma fixação de jornada ou controle poderia trazer para as empresas, visto a flexibilidade com que o teletrabalho é exercido.
Em nome da proteção ao lazer, a Constituição Federal, no Art. 7º, limita as horas de trabalho no inc. XIII, determina a obrigatoriedade do repouso semanal remunerado, inc. XV, dentro outros dispositivos (BRASIL, 1988, <www.planalto.gov.br>). Assim, o legislador constituinte assegurou o direito de descanso do trabalhador.
Com efeito, é necessário destacar que o direito à desconexão do trabalho não se relaciona a não trabalhar, e sim ao direito do não trabalho fora da jornada, nos períodos de lazer. A não fixação de uma jornada ou outro critério de limitação do trabalho em casa (quando exercido por metas, por exemplo), deixando a critério de fixação no contrato de trabalho, poderá gerar um dano existencial significativo ao empregado por ter seus projetos de vida impactados.
Com efeito, o direito de desligar-se das atividades laborais fora do expediente, possui uma íntima vinculação ao direito constitucional ao lazer, igualmente consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948, que assegura em seu Art. 24 que “toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas” (ONU, 1948).
Além do mais, o lazer é um direito social assegurado na Constituição Federal a todos os cidadãos. Entretanto, com as inovações acontecidas principalmente nas últimas décadas, e a alteração do modo e jornada de trabalho, o trabalhador está cada vez mais conectado ao trabalho e consequentemente afastado de sua vida privada. O que possibilita ao “teleempregado” estar sempre disponível para possíveis cobranças e trabalhos inesperados.
Na França, o início de 2017 foi marcado por um importante avanço sobre o tema, ao prever no Código Frances, na sessão sobre igualdade profissional entre homens e mulheres e da qualidade de vida no trabalho, no artigo L2242-8, que o direito à desconexão do trabalho será regulamentado por meio de negociação coletiva, visando garantir o direito ao lazer e ao convívio social e familiar, devendo estar previsto campanhas educativas nas empresas, com a finalidade de conscientizar sobre a utilização das novas tecnologias para fins de trabalho e, igualmente, sobre o direito à desconexão (FRANÇA, 2017, <www.legifrance.gouv.fr>).
Verifica-se, portanto que o direito a desligar-se do trabalho visa proteger direitos de personalidade imprescindíveis para garantia da dignidade humana. Nesses termos, ao analisar-se a forma como o direito à desconexão é violado, atingindo a vida privada do trabalhador ao não lhe permitir dispor de seu tempo como melhor entender, é possível constatar a existência do dano existencial.
Soares (2004, p. 44) defende que o dano existencial "abrange todo acontecimento que incide, negativamente, sobre o complexo de afazeres da pessoa, sendo suscetível de repercutir-se, de maneira consistente - temporária ou permanentemente - sobre a sua existência”.
Nas relações de trabalho é possível identificar a existência do dano existencial quando o empregador, por exemplo, derroga ao empregado um volume excessivo de trabalho que não lhe permite gozar de seu tempo de descanso através de atividades sociais, afetivas, familiares, ou desenvolver seus projetos pessoais e profissionais. Assim, não assegurando o direito à desconexão do trabalho o indivíduo fica conectado indistintamente de sua jornada, tendo que resolver questões do trabalho fora de sua jornada.
Além dos elementos inerentes à qualquer forma de dano, como a existência de prejuízo, o ato ilícito do agressor e o nexo de causalidade entre as duas figuras, o conceito de dano à existência é integrado por dois elementos, quais sejam: a) o projeto de vida; e b) a vida de relações (FROTA, 2010).
O projeto de vida está associado ao que o indivíduo decidiu fazer com sua vida. Defende Bebber (2009) que qualquer fato injusto que frustre esse plano, impedindo a sua realização e obrigando a pessoa a resignar-se com o seu futuro, deve ser considerado um dano existencial.
Quanto à vida de relações, o dano é caracterizado, na sua essência, por ofensas físicas ou psíquicas que impeçam alguém de desfrutar total ou parcialmente, dos prazeres propiciados pelas diversas formas de atividades recreativas e extralaborativas, interferindo no ânimo do trabalhador atingido e consequentemente no seu relacionamento social (ALMEIDA NETO, 2005).
Com efeito, a própria Lei n.º 13.467/2017 prevê a indenização do dano de natureza extrapatrimonial pela ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, no art. 223-B. Contudo, é possível concluir-se que a referida lei, não protege o direito à desconexão do trabalho e a tutela do dano existencial no momento em que permite que a jornada ou limite de metas seja estabelecido no contrato de trabalho, possivelmente sendo tema que terá de ser pacificado pela jurisprudência.
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