PODER JUDICIÁRIO E FORMAÇÃO JURÍDICA: BREVES NOTAS SOBRE A CRISE DO PODER JUDICIÁRIO NA ATUALIDADE
Resumo
O excesso de litigiosidade tem sido tratado como um problema a ser enfrentado pelo Poder Judiciário já a longa data. Neste sentido, o Conselho Nacional de Justiça tem compartilhado com todo o Poder Judiciário a busca por soluções. A coleta de dados a respeito da eficiência do Poder Judiciário revela a busca de conhecimento sobre a real situação da prestação jurisdicional no Brasil, bem como a intenção de analisar as necessidades que a Política Pública Judiciária demonstra.
Somente no ano de 2016, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça, a Justiça Estadual brasileira recebeu 19.787.004 novos casos, e julgou 22.153.891. Com relação às soluções alcançadas por conciliação, o relatório demonstra que em 2016, 11,9% das sentenças proferidas no Poder Judiciário foram homologatórias de acordo. Analisando o tempo médio de duração dos processos (com base no ano de 2016) verificou-se que: o tempo médio até a sentença nas varas estaduais é de 2 anos e 1 mês, até a baixa é de 3 anos e 1 mês e a duração média dos processos que estavam pendentes até a data de 31/12/2016 é de estarrecedores 7 anos e 5 meses. (CNJ,2017)
Percebe-se também da análise do relatório "Justiça em Números" do ano de 2016, que na Justiça Estadual de 2º grau, os assuntos mais demandados são aqueles relativos às relações abarcadas pelas matérias de Direito Privado: obrigações e contratos em primeiro lugar, em segundo lugar questões de direito do consumidor (sui generis), em quarto[1] lugar questões de responsabilidade civi e em quinto as de direito de família, o que demonstra que a lógica da litigiosidade permeia este âmbito do Direito. No primeiro grau também tais matérias são as que mais geram litígios: em primeiro lugar questões tributárias (dívida ativa), em segundo obrigações e contratos, em quarto novamente questões tributárias (impostos) e em quinto lugar questões de direito de família. (CNJ,2017)
Sinteticamente, o relatório do Conselho Nacional de Justiça de 2016 demonstra que o número de processos que chegam ao Poder Judiciário não parou de crescer. No ano de 2009 estavam tramitando no Poder Judiciário 60,7 milhões de processos e em 2016 foram quase 80 milhões ou seja, houve um crescimento de 4,5% ao ano no quantitativo de demandas. Em 2016, a cada 100 habitantes, 14,3 ingressaram com um processo judicial. A taxa de congestionamento do Poder Judiciário foi de 73% em 2016 o que significa que apenas 27% dos processos em trâmite foram solucionados. Para o momento foram trazidos apenas os dados relativos ao primeiro grau de jurisdição porque ele representa 94,2% dos processos pendentes e 85,5% dos novos, e por isso reflete com clareza a situação geral do Poder Judiciário brasileiro[2], mas o problema do excesso de litigiosidade e consequente congestionamento do Poder Judiciário se extende também à Justiça Federal e aos Tribunais. (CNJ,2017)
Percebe-se dos dados acima expostos, portanto, que os conflitos envolvendo interesses privados são os que mais se socorrem do Poder Judiciário: a conflituosidade em excesso nasce nas relações contratuais, obrigacionais e familiares, em especial. Por que o direito privado não consegue evitar ou solucionar extrajudicialmente tais demandas, evitando que cheguem até o Poder Judiciário?
Com relação aos cursos de Direito do Brasil e as competências profissionais exigidas dos egressos, a resolução nº 9 do Conselho Nacional de Educação - Câmara de Educação Superior, que institui as diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Direito dispõe que entre as habilidades que devem ser percebidas pelos egressos está a "adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias, administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e procedimentos;" (art. 4º, IV) bem como o "domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito." (art. 4º, VIII). (PORTAL MEC, 2017)
Portanto, é possível entender que os egressos dos cursos de Direito no Brasil devem ter ampla capacidade de atuar não apenas judicialmente, mas também em "diferentes instâncias", e dominar as tecnologias e métodos que possibilitem a melhor aplicação do Direito. Observando a problemática que o Poder Judiciário enfrenta na solução dos conflitos sociais e a necessidade social de uma tutela que hoje não é eficaz sugere-se haver uma desarmonia entre e a formação que hoje é ofertada aos operadores do Direito e aquela que realmente seria capaz de cumprir com a função do Direito na sociedade. A superação da lógica do litígio e o alcance de um projeto solidarista[3] de acesso à justiça parece perpassar necessariamente pela formação dos operadores do Direito.
Por tais razões, se entende necessário verificar se esta desarmonia reside no fato de que os operadores do Direito se formam em uma lógica que os faz perceber as soluções para os conflitos apenas enquanto dever do Estado na figura do Poder Judiciário e não enquanto um dever privado que vem desde a prevenção de conflitos passando pela solução extrajudicial de conflitos e somente em últimos casos culminando em uma prestação Estatal.
Na âmbito tanto do direito material quanto do direito processual percebe-se a existência de toda uma tendência no sentido do abandono de uma lógica litigiosa e individualista e no sentido da adoção de uma postura cooperativa e não litigiosa.
Assim é que se pode mencionar, por exemplo, a boa-fé que hoje é característica intrínseca dos negócios jurídicos e que legitima a própria liberdade de contratar. Esta característica dos negócios jurídicos revela as feições sociais do Estado a partir do século XX, Estado este comprometido com valores não apenas legais, mas sobretudo morais. A boa-fé objetiva nas relações jurídicas travadas sob a égide do direito privado dos dias atuais reflete justamente a realização da solidariedade social, fazendo com que os atos negociais considerem não apenas a vontade individual dos negociantes, mas também observem os direitos das demais pessoas componentes do corpo social. (THEODORO JR.;BAHIA; PEDRON, 2015)
Com relação à esfera processual, a superação da noção de "devido processo legal" e a chegada de uma noção de "processo democrático" faz com que esta categoria fundamental do direito alcance uma condição substancial, ou seja, além da efetividade das formas pelas quais a justiça estatal fornece a sua tutela à um compromisso com a justiça procedimental. Dito de outra forma: atualmente, não se vislumbra democrático um processo que não frutifique em um resultado substancialmente democrático construído sob o alicerce da boa-fé objetiva. (THEODORO JR.;BAHIA; PEDRON, 2015)
Assim, diante das breves linhas acima expostas, é possível perceber primeiramente a existência de uma crise que impede que o Poder Judiciário responda de forma substancial às demandas que a ele chegam. De outro lado, percebe-se uma movimentação tanto no direito material quanto no direito processual no sentido de uma maior participação das partes (contratantes, por exemplo, ou litigantes) no sentido da efetivação da solidariedade social mediante o atendimento a preceitos como a boa-fé objetiva.
[1] Em terceiro estão as questões da área Tributária.
[2] Dados extraídos de: Justiça em Números 2017: ano base - 2016/ Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2017.
[3] Conforme objetivo disposto na Constituição Federal:
"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
[...]" (BRASIL, 1988)
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