O sistema jurídico constitucional de defesa brasileiro e o papel da Presidência da República como guardião da soberania nacional: uma apresentação introdutória

Fernanda Brandt, Márcio Guimarães

Resumo


O marco jurídico constitucional normativo brasileiro atinente às prioridades estratégicas no campo da defesa é tratado na Constituição Federal de 1988, em seus artigos 1º, 4º e 84, inciso XIX[1]. A ordem jurídica brasileira prevê como finalidades estratégicas da política externa de Estado a sobrevivência e o desenvolvimento da sociedade brasileira, de acordo com uma interpretação sistemática e expressa dos dispositivos constitucionais norteadores das relações internacionais do Brasil.             Destarte, sob o ângulo constitucional, nos artigos 1º e 4º tem-se as finalidades do Estado[2] e o princípio da soberania, bem como os princípios norteadores das suas relações internacionais: a integração latino-americana ( do ponto de vista político e diplomático é sul-americana), a auto - determinação dos povos e a solução pacífica de controvérsias, que, por sua vez, são o elo para com os princípios jurídicos de segurança internacional previstos na Carta da ONU, no TIAR e na OEA e que são reforçados pelo Tratado da UNASUL  e pelo Estatuto de seu Conselho de Defesa[3].

O artigo 1º, em seu inciso I da Constituição Federal trata da soberania, objetivo vital de toda e qualquer unidade política. Previsto constitucionalmente e reafirmado em todos os documentos jurídicos internacionais – desde a Carta da ONU passando por tratados bilaterais e multilaterais de segurança e defesa, a sobrevivência de uma sociedade política – não é outro o melhor significado para o que se define como soberania – a soberania estatal continua sendo a mola mestra que norteia as relações internacionais das unidades políticas desde o regime jurídico de Vestfália, em 1648[4], surgidos no contexto europeu do século XVII e que se expandiu para o mundo todo em 1945 com a criação da ONU.

A soberania de uma unidade estatal confunde-se com a ideia de liberdade e independência. Enquanto projeção externa e sua relação com o direito internacional, a soberania é a própria afirmação da independência e do seu direito jurídico à existência o que justifica a razão de ser das organizações militares (Forças Armadas do Estado), responsáveis pela defesa, conservação e sobrevivência da sociedade e de sua organização política, mediante celebração de tratados que criam alianças defensivas e mediante a organização da defesa nacional.

Sob o prisma jurídico, a legislação que trata de explicitar e regulamentar a forma como se organiza a política de defesa do país está representada pelas legislações federal ordinária e complementar.  Nesse contexto, a política externa e de defesa são de natureza pública[5] e de competência do Presidente da República[6] e, por delegação administrativa sua enquanto chefe da Administração Pública Federal[7], cumpre ser implementadas pelos Ministros de Estado das Relações Exteriores e de Defesa, respectivamente.

Assim, a União, muito embora seja sob o prisma constitucional uma pessoa jurídica de direito público interno, detém, por aquele dispositivo constitucional, a competência material internacional exclusiva em nome de toda a sociedade brasileira e das demais entidades políticas internas (estados-membros e municipalidades) para lidar com as relações exteriores do Estado brasileiro. Da mesma forma, o órgão da Presidência da República, na pessoa de seu supremo mandatário e na condição de Chefe de Estado, detém a prerrogativa e a competência privativa para por em prática os atos definidos no artigo 21 e seus incisos, por força do artigo 84[8] e seus incisos da Constituição, conforme o seguinte. Consoante José Afonso da Silva[9], a competência política compreende uma atribuição exclusiva da união e o que interessa para o escopo do presente texto é o poder de decreto que o Estado detém como decorrência da soberania.

O chefe do Poder Executivo o faz mediante o órgão de natureza político-administrativa que representa a União - a Presidência da República – na qual o Presidente, no uso de suas prerrogativas constitucionais de chefe de Estado decreta o estado de sítio, conforme disposto no artigo 21, inciso V c/c art. 137, e que será descrito adiante, quando da análise da legislação de mobilização nacional. Nesse sentido, do ponto de vista tanto da organização constitucional como administrativa, a Presidência da República é órgão supremo (portanto, de natureza constitucional)[10] e independente representativo do Poder Executivo[11], abrangendo as atividades administrativas superiores de nível federal, de política, planejamento, coordenação e controle e de segurança nacional e que atua mediante dois órgãos com status ministerial, não obstante integrem a estrutura interna da Presidência da República: a Casa Civil e o Gabinete de Segurança Institucional, enquanto órgãos de assessoramento direto e imediato, levando em conta as atividades de planejamento e coordenação juntamente com órgãos de natureza ministerial como a Secretaria de Assuntos Estratégicos, o Ministério das Relações Exteriores e principalmente, em termos de defesa, o Ministério da Defesa .

Em relação ao Ministério da Defesa emerge a figura do Presidente enquanto comandante em chefe das Forças Armadas e que age por delegação[12] através do Ministro da Defesa. Este conjunto de normas constitucionais, juntamente com o artigo 142 combinado com o inciso XIII do art. 84, que atribui ao chefe de Estado a condição de Comandante em Chefe das Forças Armadas, constitui  um sistema racional e orgânico foi previsto pelo legislador constituinte com o fito de traçar as linhas mestras de organização da relação administrativa entre o órgão político supremo da Presidência da República com seus ministérios no que tange ao papel presidencial de direção, coordenação e supervisão destes.  De acordo com este princípio, a estrutura de tomada de decisões dentro do Ministério de Defesa e de seu Estado Maior da Defesa, pelas quais o ocupante do cargo de Ministro de Estado da Defesa age por delegação presidencial, em virtude da Lei complementar n. 136, que institui o Estado Maior da Defesa, promulgada em 25 de agosto de 2010.

Assim, do ponto de vista das relações internacionais e política externa, na pessoa do Presidente da República, cumpre manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos, celebrar tratados internacionais; e, por fim, do ponto de vista da política de defesa nacional, decretar estado de sítio, convocar e presidir os Conselhos da República e o Conselho de Defesa Nacional – órgãos de assessoramento -, declarar a guerra em caso de agressão estrangeira (sujeito a autorização do Congresso Nacional – art. 49, inc. II), decretar a mobilização nacional, celebrar a paz (autorizado pelo Congresso – art. 49, inc. II) e, finalmente, exercer o comando supremo das Forças Armadas (ver art. 142 da CF).


[1] Num sentido mais amplo e ao mesmo tempo especializado, tem-se a base normativa de defesa, que comporta os seguintes documentos de natureza legal: o Decreto Executivo 5484, de 2005, do SINAMOB (Sistema Nacional de Mobilização) – na Lei Federal Ordinária no. 11.631 de 2007, bem com de seu decreto executivo regulamentador no. 6592, de 2008 e, por fim, na legislação da EDN (Estratégia de Defesa Nacional) – Decreto Executivo no. 6.703 de 2008, assim como o marco jurídico internacional representado pelos tratados bilaterais e multilaterais que também serão examinados.

[2] Destacamos, para a finalidade do presente texto os princípios mais relevantes que são tratados no art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz;  VII - solução pacífica dos conflitos;

[3] ONU- Organização das Nações Unidas, criada em 1945 pelo Tratado de São Francisco. TIAR-Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, firmado no Rio de Janeiro em 1947. OEA- Organização dos Estados Americanos, criada em 1948. UNASUL- União de Estados Sul-Americanos e Conselho de Defesa Sul-Americano, criados em Brasília, em 2008.

[4] O conjunto de tratados firmados entre as potências europeias- Espanha, Sacro Império dos Habsburgos, França, Suécia, Holanda e Inglaterra, definiram, na cidade alemã de Vestfália, o término da Guerra dos Trinta Anos (1618-48) e o respeito ao princípio da soberania cumulado com o da não intervenção externa nos assuntos internos de cada unidade política, além de reconhecer a primazia do Estado-nação territorial como principal sujeito de direito internacional.

[5] O Estado brasileiro – cujo nome oficial é República Federativa do Brasil – é pessoa jurídica de direito público internacional, sob o ponto de vista jurídico de direito constitucional e internacional público, sendo sujeito parte das relações internacionais por ser sujeito de direito, de plena soberania para assumir compromissos e exercer direitos na vida internacional. O monopólio das relações internacionais, dentro da organização político-administrativa do Estado brasileiro e que compreende a manutenção de relações diplomáticas e a celebração de tradados, bem como a declaração de paz e guerra, é competência internacional da União, prevista no seu artigo 21, incisos I ao IV da CF

[6] Do ponto de vista constitucional e tendo por fim o princípio organizador da competência privativa da União e das atribuições privativas da Presidência da República tem-se a competência material exclusiva da União Federal previstas na CF e que se subdividem em competência internacional, competência política e competência legislativa privativa sobre direito administrativo.

[7] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editores, 19ª Edição, São Paulo, 2001.

[8] O art. 84 dispõe expressamente que. “ Compete privativamente ao Presidente da República:

VII -  manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;

VIII -  celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

IX - decretar o estado de defesa e o estado de sítio

XIII -  exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos;

XVIII -  convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional;

XIX – “declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional

XX -  celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional” (Constituição Federal da República de 1988 – grifos são nossos)

[9] Op.cit.

[10] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editores, 19ª Edição, São Paulo, 2001, p.111.

[11] Para José Afonso da Silva (op. Cit.), a expressão Poder Executivo é de difícil conceituação, sendo que exprime tanto uma função (art. 76 da CF), como um órgão (cargo e ocupante, art. 2º da CF) constitucional, personificado na Presidência da República, enfeixando a prática de atos de chefia de estado, de governo e de administração.

[12] O Presidente da República é agente político, chefe supremo do Poder Executivo federal a quem cumpre as funções de direção, supervisionamento, coordenação e controle de todas as atividades executadas pela União, ai incluídas, obviamente, as funções exercidas pelo Ministro de Estado da Defesa. Destarte, de acordo com os artigos 76, da Constituição Federal, o Presidente da República exerce o Poder Executivo da União, auxiliado pelos Ministros de Estado. Além disso, compete privativamente ao Presidente da República exercer, do ponto de vista político e administrativo, de acordo com o artigo 84, inciso II, exercer a direção superior da Administração Pública Federal, de quem é seu chefe supremo (na qualidade de chefe de governo).  De acordo com o artigo 87, parágrafo único, inciso I, aos ministros cumpre a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entes descentralizados na área de sua competência, sendo secundados por órgãos de assessoramento e de execução.

 

 


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