DIREITO À SAÚDE: A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA NO ÂMBITO INTERNACIONAL

Janaina Machado Sturza, Bernardo Amaral da Rocha

Resumo


O presente estudo se pauta em uma explanação acerca da conceituação de como o tema da saúde é tratado internacionalmente e suas influências em nossa Carta Magna e sua construção no âmbito internacional. Também reflete, de outra bandam a falta de instrumentos de organização no âmbito do MERCOSUL na promoção de políticas conjuntas na promoção da saúde.

A proteção ao Direito à Saúde e sua conseqüente legitimação consagram-se como pressupostos para o pleno desenvolvimento de cada pessoa, enquanto membro ativo de uma sociedade democrática e igualitária. Entretanto, para a concretude de tais pressupostos, exige-se não somente a garantia do acesso universal ao Direito à Saúde, mas também o seu efetivo cumprimento e satisfação, transcendendo desta maneira a esfera nacional e abarcando, assim, questões de âmbito internacional que circundam a Saúde e seu reconhecimento como um direito fundamental ao homem.

Pode-se iniciar o assunto ao tratar da Convenção de Viena, a qual caracteriza-se como o tratado internacional que disciplina a questão da integração entre o ordenamento jurídico internacional e o ordenamento jurídico nacional. Nesta Convenção, a saúde enquanto direito reconhecido internacionalmente tangencia a unanimidade em relação ao seu caráter de direito fundamental da pessoa humana, relacionada diretamente à promoção e proteção da qualidade de vida, surgindo como um marco de destaque nos documentos que servem de referência não só para a implementação de políticas públicas, mas também para toda a articulação do ordenamento jurídico vigente em cada país.

Portanto, em âmbito internacional destaca-se inicialmente e, sobretudo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, também denominada de Declaração Universal da ONU, datada em 10 de dezembro de 1948, em uma Assembléia Geral das Nações Unidas. Esta declaração caracteriza-se como pioneira no que diz respeito à previsão expressa do Direito à Saúde, em especial atenção ao art. 25[1] da referida carta.

Todavia, no cenário internacional ainda destacam-se muitas outras declarações, como o Tratado de Roma, assinado no dia 25 de março de 1957 e passando a vigorar no dia 01 de janeiro de 1958. Esse tratado foi assinado na cidade de Roma e instituiu a Comunidade Européia. Ultrapassando os limites do estado nação, a saúde alcançou, através deste tratado, uma posição considerável, sendo mencionada em vários artigos, como é o caso do art. 3, alínea o, o qual dispõe sobre “Uma contribuição para a realização de um elevado nível de proteção da saúde,” ou então o art. 36, que dispõe sobre “[...] proteção da saúde e da vida das pessoas e animais ou de preservação das plantas; [...],” além dos arts. 48, 100, 118 e 135 que tratam da saúde do trabalhador.

Já no dia 12 de setembro de 1978 foi ratificada a Declaração de Alma Ata – URSS, quando então foi realizada a Conferência Internacional sobre os Cuidados Primários de Saúde, a qual dispôs sobre a necessidade de ação urgente de todos os governos, de todos os que trabalham nos campos da saúde e do desenvolvimento e da comunidade mundial, para promover a saúde de todos os povos do mundo.

Nesta Declaração foi reafirmado enfaticamente que a saúde enquanto estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade, é um direito humano fundamental e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além, é claro, do setor da saúde.

Portanto, a Declaração de Alma Ata representou um marco significativo na busca pela saúde para todos, sendo este um objetivo perseguido por todos ainda nos dias de hoje. Já no ano de 1986, mais precisamente no dia 21 de novembro, foi realizada em Ottawa a Primeira Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde, na qual foi emitida a Carta de Ottawa, dirigida à execução do objetivo de “Saúde para todos no ano 2000,” anunciado já na Declaração de Alma Ata. Esta conferência representou uma resposta à crescente demanda por uma nova concepção de Saúde Pública no mundo, ressaltando que, muito embora as articulações e discussões fossem focalizadas nas necessidades dos países industrializados, os problemas que atingem as demais regiões também foram levados em consideração.

Esta conferência, que originou a então Carta de Ottawa, determinou como seu ponto de partida os progressos alcançados em decorrência da Declaração de Alma Ata, seguido pelo documento “Os objetivos da Saúde para todos” da Organização Mundial de Saúde e o debate acerca da ação intersetorial para a saúde. Esta carta também conclamou a OMS e os demais organismos internacionais, para advogar em defesa da saúde em todos os foros apropriados e a dar apoio aos diferentes países para que se estabelecessem programas e estratégias dirigidas à promoção da saúde de todos.

No período de 9 a 12 de novembro de 1992, em Bogotá, foi realizada a Conferência Internacional de Promoção da Saúde, sob o patrocínio do Ministério de Saúde da Colômbia e a Organização Pan-americana de Saúde (OPS). Nesta conferência foi elaborada a Carta de Bogotá, em meio a discussões e debates sobre os princípios, as estratégias e os compromissos referentes ao sucesso da promoção da saúde da população, no sentido de definir o significado da promoção da saúde na América Latina.

Assim, na esfera dos tratados internacionais, ainda tem-se a Carta do Caribe, formulada no dia 4 de junho de 1993, durante a 13ª Reunião dos Ministros responsáveis pela Saúde do Caribe. Nesta carta foram definidos vários aspectos acerca da promoção da saúde, merecendo destaque o fato desta não se basear mais somente na prevenção e no controle das enfermidades, mas sim na saúde e no bem-estar, defendendo o conceito de que a saúde das pessoas é um recurso positivo em suas vidas.

Em 06 de julho de 1997 foi definida a Carta de Havana, durante o II Congresso de Secretários Municipais de Saúde das Américas. Neste encontro foram identificados e formalizados os temas em torno dos quais se buscou construir conceitos e favorecer o intercâmbio de experiências, apoiando os municípios na busca de soluções e de projetos de desenvolvimento humano e social.

Neste mesmo ano aconteceu a Quarta Conferência Internacional de Promoção da Saúde – Novos Protagonistas para uma Nova Era: Orientando a Promoção da Saúde no Século XXI, em Jacarta – Indonésia, de 21 a 25 de julho de 1997. Nesta conferência foi assinada a Declaração de Jacarta, a qual caracterizou-se como a primeira a ter lugar em um país em desenvolvimento e a incluir o setor privado no apoio à promoção da saúde. Ela ofereceu ocasião para refletir sobre o que se aprendeu sobre promoção da saúde, bem como reexaminou os determinantes da saúde e identificou as direções e estratégias necessárias para enfrentar os desafios da promoção da saúde no século XXI.

Entre os dias 23 e 25 de janeiro de 2000, pessoas de todo o Brasil e de mais 27 países se reuniram para o 1º Fórum Social Mundial da Saúde. Este Fórum foi uma idéia que amadureceu ao longo de três anos nos eventos internacionais de saúde promovidos em Porto Alegre e em Mumbai, na Índia, antecedendo ao Fórum Social Mundial. O desafio proposto nesses eventos era a criação de uma rede internacional para a discussão de uma agenda comum de reformas do setor saúde de todos os países participantes. A partir de então, estabeleceu-se que a construção de redes internacionais de garantia a esse direito fundamental seria uma luta constante em todos os países participantes do Fórum. Todavia, lamentavelmente tais objetivos ainda continuam no âmbito das discussões, longe da efetiva concretização.

Finalizando, então, não se pode deixar de mencionar a situação do MERCOSUL, também denominado de Mercado Comum do Sul (MS), formado pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, os quais são os membros do bloco. Já o Chile e a Bolívia se tornaram sócios, conseguindo tarifas preferenciais para venda e compra de produtos como os demais países membros. O MERCOSUL caracteriza-se como um bloco econômico constituído para realizar a liberação de comércio de bens e de serviços e livre circulação de pessoas e capitais entre os estes países. Neste contexto, os direitos dos cidadãos do MERCOSUL em matéria de saúde ainda se limitam aos territórios nacionais e não podem ser usufruídos nos países vizinhos, embora cidadãos paraguaios, uruguaios e bolivianos das áreas fronteiriças busquem atendimento no Brasil, através do sistema público gratuito deste país. Municípios brasileiros arcam com o atendimento da demanda da população vizinha sem receberem recursos financeiros e humanos adicionais.

Nestes ditames, pode-se verificar que a preocupação com a saúde não é algo que surgiu recentemente no contexto nacional e internacional, mas ao contrário, já vem se perpetuando de longa data em diversos países de diferentes continentes. Assim se ratifica, portanto, que a proteção e a legitimação do Direito à Saúde necessitam, em síntese, não só de mecanismos jurídicos e estratégias que envolvam todos os segmentos da sociedade e do Estado, mas também de um aparato de instrumentos legais tanto nacionais quanto internacionais que, através de um esforço conjunto, busquem a equidade e o acesso universal a este direito fundamental social de imprescindível relevância para a promoção, desenvolvimento


[1] Art. 25º - Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e a sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto a alimentação, ao vestuário, ao alojamento, a assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários; e tem direito a segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstancias independentes da sua vontade.


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