O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE APLICADO AO DIREITO INTERNACIONAL PARA EFETIVAÇÃO DA INTEGRAÇÃO SOCIAL DOS REFUGIADOS NO BRASIL

Tuiani Mendes Fernandes

Resumo


As migrações fazem parte da história da humanidade, desde os povos nômades que migravam de um local a outro, até hoje em que pessoas de diversos países se obrigam a sair do seu país de origem, buscando uma vida mais digna, longe das violações de direitos fundamentais. No entanto essa necessidade de se deslocar do país de origem em busca de um lugar seguro, onde não haja nenhum tipo de perseguição seja por sua nacionalidade, convicção política ou religiosa, orientação sexual ou gênero, não pode ser chamada de migração, uma vez que essas pessoas se veem forçadas a sair de seu país para garantir sua segurança e não agem de forma voluntária.

Muitas vezes o Brasil é escolhido como país destino, onde essas pessoas buscam se abrigar, reconstruir a vida, refugiar-se. Dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) e da Agência da ONU para Refugiados ou Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados[1] (ACNUR), mostram que em 2016 aumentou em 12% o número total de refugiados reconhecidos no país. Diante desse crescimento expressivo do número de refugiados no território brasileiro é imprescindível analisar as legislações vigentes no Brasil que cuidam dessa matéria.

Os direitos dos refugiados estão garantidos principalmente em dois instrumentos do Direito Internacional dos Direitos Humanos - que têm como premissa a garantia de direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, indiscriminadamente – são eles: a Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e o Protocolo – também relativo ao Estatuto dos Refugiados – de 1967. O Brasil figura como parte na Convenção e aderiu também ao Protocolo. Tanto a Convenção quanto o Protocolo, em consonância princípios da Constituição Federal de 1988, têm o intuito de garantir e estabelecer direitos fundamentais e mínimos para a dignidade da pessoa do refugiado, como o respeito às práticas religiosas e a vedação à discriminação do refugiado em qualquer forma. Em conformidade com os princípios e direitos básicos estabelecidos através do direito internacional na legislação pátria a matéria é regulada pela Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997.

Além da aplicação das leis que protegem e garantem direitos aos refugiados, para uma integração social efetiva dos mesmos é necessário aplicar um dos principais valores sociais e princípio constitucional encontrado no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, que é o princípio da solidariedade. Conhecido como princípio relacionado à organização social, é fundamental para que as relações transinduviduais sejam bem sucedidas. Quando aplicado nas relações interpessoais, o indivíduo deixa de ser apenas um indivíduo e passa a se relacionar com a coletividade buscando o bem estar social e criando laços de fraternidade com o meio onde está inserido. Todavia, as suas individualidades devem ser respeitadas, como no caso dos refugiados que, embora queiram e necessitem se integrar na sociedade que os acolheu, não se deve retirar-lhes a cultura basilar e o direito de exercer seus costumes natais.

A solidariedade faz parte dos direitos de terceira dimensão, isso significa que ele é um direito difuso, aplicado a toda coletividade desprendendo-se da figura “homem-indivíduo” (SARLET, 2012, p. 262), além disso, é encontrado também nas leis internacionais sobre os refugiados, Convenção de 1951 e Protocolo de 1967. Nos artigos 3º e 4º da Convenção de 1951 percebe-se o princípio da solidariedade e sua função social de ver o indivíduo como parte do coletivo sem discriminá-lo, mas respeitando suas individualidades:

 

Art. 3º - Não discriminação: Os Estados Contratantes aplicarão as disposições desta Convenção aos refugiados sem discriminação quanto à raça, à religião ou ao país de origem.

Art. 4º - Religião: Os Estados Contratantes proporcionarão aos refugiados em seu território um tratamento ao menos tão favorável quanto o que é proporcionado aos nacionais no que concerne à liberdade de praticar a sua religião e no que concerne à liberdade de instrução religiosa dos seus filhos

 

Da mesma forma, Paulo Bonavides diz que os direitos de terceira dimensão são destinados ao gênero humano como valor máximo da existência e da razão de serem aplicados (BONAVIDES, 2002, p. 523), enfatizando a indiscriminação para a aplicação de direitos. A universalização dos direitos fundamentais e humanos através do direito internacional dá (em tese) segurança e amparo jurídico aos refugiados de que sua dignidade será preservada e que este terá os mesmos direitos que qualquer civil no país que se encontra. No entanto não basta a expectativa de direito criada pelo poder público dos Estados que são signatários da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, é necessário que as relações privadas sejam contempladas por esse respeito mútuo de direitos.

A partir do momento em que a solidariedade deixa apenas de ser um valor moral social e torna-se um princípio jurídico há uma garantia de que ela será aplicada a todos, pressupondo obrigações recíprocas uns com os outros. Em relação aos refugiados o princípio da solidariedade traz uma responsabilidade social de todos fazerem com que esses refugiados sejam integrados socialmente, e que sejam também reconhecidos como sujeitos pertencentes à sociedade brasileira. A exemplo disso, para ajudar os refugiados no processo de integração social[2] no Brasil, o ACNUR – criado em 1950 através de uma resolução da Assembleia Geral da ONU, busca proteger e auxiliar os refugiados em todo o mundo, realizando um trabalho humanitário e apolítico – lançou uma cartilha com material didático para que o refugiado possa começar a aprender a língua portuguesa e saber um pouco da cultura e costumes brasileiros.

A lei internacional e brasileira ampara os refugiados, resguardando-lhes direitos básicos. Todavia, a lei é reflexo da sociedade, ela só conseguirá ser efetivada e ter sucesso em uma sociedade que acolher e viver aquilo que a lei ditar, respeitando os direitos e colocando em prática os princípios nela presentes nas ações cotidianas e privadas. Desse modo deve-se analisar o princípio da solidariedade não só como um valor social e moral, mas como um princípio jurídico que deve ser respeitado e posto em prática pela sociedade, assim se tornará um meio efetivo e sólido para a integração social dos refugiados. A integração social envolve muito mais que a legislação de um país, ou os direitos que são resguardados nela, ora, é necessário compreender que “refúgio é um ato humanitário e não político”[3].


[1] O ACNUR busca a proteção dos refugiados, tenta amenizar os problemas que os refugiados e as populações afetadas por guerras, conflito e perseguições enfrentam por estarem deslocados. Parte retirada da cartilha “ACNUR: Protegendo Refugiados no Brasil e no mundo”.

[2] Integração social do refugiado é a “plena inserção legal, social, econômica e cultural no país de refúgio [...] Um refugiado está plenamente integrado quando tem a residência permanente ou a cidadania do país de refúgio, podendo acessar as políticas públicas disponíveis aos cidadãos deste país”. ACNUR: Protegendo Refugiados no Brasil e no mundo, p.15.

[3] Trecho retirado da fala de Volker Türk - Alto Comissário Assistente para Proteção - Genebra, 10 de outubro de 2017.


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