A NÃO-LIBERDADE DO SER NO MUNDO: O ESTAR EM EXPERIÊNCIA DE LINGUAGEM COM ELE

Sabrina Beatriz Nunes, Taís Milene Rusch, Sandra Regina Simonis Richter

Resumo


O poético, como ato de densificar o real pela produção de presença em sua potência linguageira de atenção ao instante que acontece, é visto por muitos como ato de liberdade, como expressão da criatividade, como permissão ao outro ver o mundo como imagina. Porém, em nossos estudos entendemos que nem o fazer é livre e tão pouco a imaginação e a criatividade. A aproximação filosófica entre educação, artes e infâncias permite resistir às concepções redutoras de liberdade pela simplificação das noções de imaginação e de infância. Um tema que vem exigindo estudos para compreender que vivemos no mundo e, no encontro com a sua pluralidade, desde o nascimento, somos culturalmente implicados e influenciados de forma abrangente. Pode se pensar que há meios de proteger as crianças da influência direta da sociedade sob elas, em certos aspectos é possível, como professores é nossa tarefa pedagógica presar pelo direito da criança expor seus sentimentos e pensamentos nas suas interações. Mas o seu sentir começou em determinado ponto, algo o despertou, o mundo toca as crianças de modo que as faça sentir.

Quando apresentamos para as crianças determinadas materialidades isso é um ato que parte de nossa escolha, é nossa responsabilidade apresentar os limites e possibilidades das mesmas. O mundo apresenta consistências e resistências (BACHELARD, 1991). O giz de cera tem sua marca, o giz pastel terá outra, e suas marcas diferem de um tipo de materialidade para outro. A liberdade de riscar e desenhar aqui é então possibilitada após um processo no qual o indivíduo foi orientado e então descobriu os limites do seu fazer. A liberdade, portanto, é restrita, permanecendo sem amarras apenas no plano das ideias e dos discursos. Isso não significa que as crianças não possam exercer ações autônomas, isto é, aquelas por elas escolhidas (FALK, 2004).

A autoridade na sala de aula foi envolta por um manto que a fez parecer imposição, e assim a liberdade das crianças aparece como ponto necessário de estudos. Em nossas pesquisas o termo liberdade não foi encontrado como tema central. Mas estudando os temas poder e autoridade foi possível entender o mito do “ser totalmente livre” na ação poética. Lebrun (1983, p. 13) nos diz que “os costumes, leis, preconceitos, crenças, paixões coletivas, contribuem também para determinar a ordem social”. A professora que tem afinidade maior com tintas do que com tipos de giz, e oferece apenas essa possibilidade para as crianças, as está influenciando a ter mais interações com essa materialidade também. Temos o poder de transmitir essa influência em relação ao gosto pelas materialidades e formas de as experimentar. Poder que Lebrun (1983, p. 20) caracteriza como “conjunto de relações que formigam por toda a parte da espessura do corpo social”. Aqui incluído o corpo pedagógico.

Os termos “criativo” ou “imaginativo”, por vezes citado em projetos e planos de aula, são equivocados quando associado à liberdade. Não somos livres na nossa forma de pensar, nos modos de conviver, assim como nos estudos a partir de autores que nos são apresentados. Sempre estamos historicamente junto com outros e, historicamente, aprendemos a pensar. O que fazemos é tomar decisões e realizar escolhas entre os valores e ideais que queremos para a convivência no mundo comum. Assim é com as crianças, a partir do mundo que apresentamos a elas, começam a desenhar, modelar, cantar, imaginar. Não é possível imaginar fora da experiência de linguagem. Para Bachelard (1991), a imaginação poética não é vestígio da percepção visual nem estado psíquico, mas experiência existencial de inserção linguageira no mundo. Ou seja, diz respeito à produção de sentido ou energia do corpo em linguagem capaz de re-arranjar a realidade em narrativas. Supõe afirmar que a linguagem não é meio ou instrumento de entendimento de nós ou de mundo, mas a condição existencial absoluta para que tenhamos mundo (GADAMER, 2005).

Mesmo na experiência com as cores ao misturá-las há a influência do adulto ao apresentar as tintas e o nome das cores para a criança ou a inserir num ambiente com materialidades possíveis de explorar dessa forma. No faz de conta ou ficcional, a brincadeira de inventar gestos, cenas, o intenso interesse por inventar das crianças é uma re-apresentação da realidade que o adulto vive e, diretamente ou indiretamente, a criança está exposta. Nesta abordagem que dispomos do fenômeno da mímesis como pensamento em ato, como presença, como gesto do corpo, como um saber encarnado. Implica negar a concepção geral de “imitação” e de “repetição” como “cópia” para afirmar o prazer lúdico das crianças repetirem para se apropriarem do mundo. Essa apropriação emerge em linguagem, ou seja, no esforço da conquista de mundo e não ao abandono às circunstâncias, muito menos à correção através de modelos.

PALAVRAS-CHAVE: Liberdade; Poético; Mundo


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ISSN 2965-0615