A MEDICALIZAÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR COMO ESTRATÉGIA BIOPOLÍTICA

Luiza Franco Dias, Fernanda Machado Pereira, Mozart Linhares da Silva, Betina Hillesheim

Resumo


Nos anos de 1950, tem início a “explosão farmacológica”, que propiciou, por sua vez, o desenvolvimento da psicofarmacologia (CUNHA; MELLO, 2017), ciência voltada para o estudo da relação entre as diferentes alterações psíquicas (humor, cognição, comportamento) e o uso de fármacos. Após duas décadas, em 1970, o termo “medicalização” é introduzido por Ivan Illich, para designar o processo por meio do qual problemas não médicos são definidos e tratados como problemas médicos normalmente em termos de doenças e desordens (EDINGTON, 2012, p. 16.). Foucault (1979, 2005) também se apropria do termo “medicalização”, a fim de ressaltar a influência da medicina em quase todos os aspectos da vida. Para ele, a medicina produz efeitos de controle no dia-a-dia das pessoas, por meio de seus estatutos científicos acerca das doenças e da saúde, da normalidade e da patologia. Assim, a medicalização pode ser entendida como uma invasão do saber médico farmacológico no campo das relações sociais, inclusive, na área da educação.

Além disso, o presente trabalho utiliza-se do termo “fracasso escolar” para além das questões cognitivas, dando ênfase às questões sociais, relações familiares e afetivas dos aprendentes.

O presente trabalho lança mão de conceitos foucaultianos, para discutir sobre o disciplinamento através da medicalização e das formas de controle que daí derivam. Para Revel (2011), utilizando-se das ideias de Foucault, o regime disciplinar pode ser caracterizado por uma série de técnicas de coerção, as quais se exercem por meio do controle sistemático do tempo, do espaço e do movimento dos indivíduos, normatizando as atitudes, os gestos, os corpos. Tais técnicas de individuação do poder permitem controlar condutas, comportamentos, aptidões, assim como intensificar o desempenho, multiplicar capacidades e colocar o sujeito no lugar onde este seja mais útil. Essa “anatomia política” abrange as escolas, as instituições em geral, ou seja, qualquer ambiente em que se possa viabilizar a gestão do individuo no espaço, sua repartição e sua identificação.

Em vista disso, a medicalização se mostra como uma estratégia biopolítica, na medida em que o poder é exercido sobre o coletivo e atua diretamente na constituição dos sujeitos. Nesse sentido, Foucault (2005, p. 289) ressalta que o corpo não é o único que precisa ser disciplinado, pois o disciplinamento vai além e recai sobre a vida dos homens, isto é, ele não se dirige apenas ao homem-corpo, mas também ao homem vivo, ao homem ser vivo; no limite, ao homem-espécie. A propósito, Revel (2011) salienta que a biopolítica é governar não só os indivíduos por meio de um conjunto de procedimentos disciplinares, pois abrange ainda o conjunto de seres vivos que compõem a população, lançando mão de biopoderes locais, ocupando-se, então, da gestão da saúde, da higiene, da alimentação, da sexualidade, da natalidade, entre outros, ao passo que tais gestões se tornam uma jogada política.

Foucault (1998) traz que, na medida em que o poder disciplinar impera sobre os corpos individualizados, centrado no corpo enquanto máquina, a biopolítica visa a controlar o corpo social (a população). Deste modo, para o autor, o poder sobre a vida é formado por esses dois polos: disciplina sobre os corpos e regulação da população. A escola se insere nesse contexto como instituição reguladora e normatizadora, em que vigora o dispositivo disciplinar (FOUCAULT, 1983).

Em relação à subjetivação, Revel (2011) enfatiza que, conforme Foucault, a subjetivação se traduz no processo, através do qual, obtém-se a constituição de um sujeito, ou mais precisamente, de uma subjetividade.

Guarido (2007) salienta que os saberes produzidos a partir da neurociência, da neuropsicologia, da neuropediatria e da psiquiatria, ascendem as estratégias de poder que o cérebro – o biológico – como o centro de todos os problemas e sofrimentos do homem. Com esses dispositivos se objetiva produzir na criança um sentimento de não pertencimento, improdutividade e anormalidade, resultando na culpabilização do indivíduo. Essa relação entre a farmacologia e a racionalidade biomédica faz da medicalização a solução para todos os problemas sociais e subjetivos, despertando a necessidade de um diálogo ético no campo da saúde na sociedade contemporânea (MACHADO; LESSA, 2012).

Deste modo, o presente trabalho se insere em tal contexto, pois tem por objetivo analisar, através da revisão narrativa da literatura, o fenômeno da medicalização enquanto estratégia biopolítica, utilizando-se de conceitos foucaultianos para refletir e problematizar a “patologização” das dificuldades de aprendizagem e sua implicação no fenômeno do “fracasso escolar”.

 

Palavras-Chave: Medicalização; Fracasso Escolar; Biopolítica.


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ISSN 2965-0615