ASSISTÊNCIA SOCIAL NA PERSPECTIVA DOS USUÁRIOS: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E IDEOLOGIA
Resumo
A assistência social no Brasil foi, historicamente, marcada por uma trajetória fragmentada e sem força política. Reconhecida como campo da benemerência, de ações clientelistas, essa política mantinha-se em um lugar secundário diante das prioridades governamentais. Porém, desde a Constituição de 1988, e até mesmo antes dela, a sociedade brasileira tem lutado pela modificação deste cenário. Em 1993, com a promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS – Lei 8742), iniciou-se o processo de reorganização da Assistência no Brasil e a necessidade de modificação das práticas assistencialistas. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS), atualmente em vigência, propõe a consolidação da Assistência Social como política pública e direito social na perspectiva do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Ao reconhecer os usuários como parte fundamental da construção da política de assistência social, pois é a eles a quem ela está destinada, esta comunicação oral, originária de uma pesquisa, tem como objetivo central descrever e analisar a representação social dos usuários sobre a assistência social por meio dos serviços oferecidos nos Centros de Referência de Assistência Social (CRASs). Também se propõe a discutir as impressões do usuário sobre a Política de Assistência Social no que se refere aos serviços oferecidos a ele, que faz parte do lugar social instituído pela pobreza. Pobreza esta que corresponde ao status social inferior e desvalorizado socialmente, em suas crenças, seu modo de ser e estar no mundo. Ao pobre, usuário da assistência social, é negada a possibilidade de cidadania em diversos aspectos e, inclusive, do direito de poder dizer a sua palavra. Ao contrário, ao usuário lhe é dada apenas a possibilidade de aceitar tudo que é oferecido e a condicioná-lo a seguir um modo de vida que não condiz com a sua realidade (FREITAS, 2014). Este trabalho, por sua vez, pretende contrapor a representação social que desqualifica o usuário/pobre, mostrando quais são os pensamentos desse usuário sobre os serviços que utiliza, no intuito de valorizar e divulgar os saberes construídos por essa camada da população. Para cumprir com esses propósitos, o presente estudo utilizou os pressupostos da Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 2003) o que possibilita uma melhor apreensão das ideias e significados atribuídos pelos usuários a respeito de suas vivências na assistência social. Parte-se do entendimento de que as representações sociais são saberes ou conhecimentos, socialmente elaborados e partilhados, com objetivos práticos e que contribuem para a construção de realidades comuns a um grupo social (JODELET, 2007). Com intuito de detectar essa representação social, foram realizados nove encontros em grupo com usuários em três CRASs de Porto Alegre RS. Esses encontros foram desenvolvidos dentro da proposta dos círculos epistemológicos cuja ideia é incorporar o círculo de cultura, método de ensino na educação, como metodologia de pesquisa que integra um instrumento de coleta e análise de dados nos quais os integrantes participam ativamente de todo o processo de pesquisa. Como achados, foram identificadas duas dimensões da representação social: uma delas ideológica, que se mostrou em grande parte das falas dos usuários quando reconhecem a assistência social como suporte, ajuda e acolhimento e, as condicionalidades, impostas pelos programas de transferência de renda, são consideradas como incentivo. Essa dimensão revela que os usuários, em geral, colocam-se em uma posição de dominação quando aceitam sem restrições tudo o que vem da assistência social. A segunda dimensão chamada crítica demonstrou que os usuários conseguiram entrever, ao menos preliminarmente, alguns aspectos ideológicos presentes nas práticas da assistência social. Nesse processo, puderam transformar seus posicionamentos de aceitação dos serviços da assistência social em uma reflexão mais crítica, que abrangeu também alguns aspectos negativos sobre as práticas realizadas. Eles chegam a mencionar que se entendem como sujeitos de direitos, mesmo não tendo clareza do quê se tratam esses direitos. Concluiu-se com a presente pesquisa que os serviços da assistência social continuam sendo realizados, atualmente, de forma semelhante às práticas de beneficiência, tutela e clientelismo, que antecederam à implantação do SUAS. Da mesma forma, os programas socioassistenciais revelam-se, por meio da análise dos usuários, como não possuidores de uma ação efetiva para favorecer o seu protagonismo. Nesse sentido, a pobreza política é mantida entre a população, com o objetivo de conservar, na sociedade brasileira, a experiência política da dominação. É dessa forma que os governos e classes dominantes utilizam-se da ideologia para criar formas de difundir e reproduzir seus próprios interesses como aspirações de toda a sociedade (DEMO, 2001; YAZBECK, 1993/2009).
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