RACISMO ESTRUTURAL E EROTIZAÇÃO DA ?MULATA? NO BRASIL: ESTUDO INTERSECCIONAL RAÇA-GÊNERO
Resumo
?Morena tropicana eu quero o teu sabor? esse pequeno fragmento faz parte de uma música de Alceu Valença, no qual revela o imaginário sobre a sensualidade da mulher morena/mulata. Trata-se de um estereótipo relacionado à histórica erotização da mulher negra, ou melhor, conforme a terminologia popular, da ?clássica? mulata brasileira. A erotização da mulata é o tema dessa pesquisa que analisa a construção do estereótipo sexual da mulher mestiça na esteira do racismo estrutural brasileiro, constituído, sobretudo, a partir das teorias raciais do século XIX. A pesquisa é um recorte do projeto ?Educação, Biopolítica e produção da branquitude no Brasil? que analisa, na perspectiva da biopolítica, a construção da branquitude e seus desdobramentos na construção do racismo estrutural no Brasil. A pesquisa problematiza a construção da erotização da mulher negra, no caso a mulata, como desdobramento da construção do racismo estrutural, tomando como corpus discursivo-analítico as revistas que circularam a partir dos anos 1920 no Brasil, com ênfase nas ilustrações e reportagens da revista ?O Cruzeiro?, editada entre 1928 e 1975. Vale notar que esse processo de erotização da mulata é questionado também na esteira da biopolítica, o que possibilita problematizar porque essa erotização não recai sobre a mulher negra em si, mas sobre a mestiça, o que mostra um componente importante para o entendimento da política de branqueamento do corpo-espécie da população no Brasil. Trata-se, portanto, de uma pesquisa interseccional raça-gênero que intenta contribuir com os estudos do racismo no Brasil e, sobretudo, com os estudos sobre o sofrimento da mulher negra. As pesquisas revelam que, em 1930 a mestiçagem foi um marco importante para a história, pois foi desenvolvido o mito ou a ideologia da democracia racial. Com isso, é constituída a mulata, símbolo do pecado, da sedução e objeto de desejo do homem branco. Não se trata da erotização da mulher negra, mas da mulata, o que revela a cesura na própria construção da negritude, dupla forma do racismo relacionado às mulheres. Dessa forma, percebe-se que a mulata vira objeto de desejo do masculino branco, consequentemente resolve a perplexidade do sistema racial. O estudo de artefatos culturais como a mídia, no caso dessa pesquisa as revistas como a Cruzeiro, torna-se excelente fonte, pois permite entender os dispositivos que produzem os processos de subjetivação e construção de imaginário. Nesse sentido, a mídia não só veicula, mas também constrói discursos produzindo significados, identidades e sujeitos. Na grande maioria das edições da Revista Cruzeiro existe uma invisibilidade da mulher negra, com a presença majoritária de mulheres brancas. Mas há acontecimentos sociais que reclamam a presença da mulher negra e, sobretudo da mulata, como é o caso das edições que fazem a cobertura do carnaval. Se a mulata aparece geralmente sensualizada, a mulher negra aparece, normalmente, como um black-face, satirizando a chamada ?negra maluca?, entre outros. Das poucas vezes, que a mulher negra/mulata apareceu na capa ou estava relacionada a estereótipos de cunho racista ou vinculada ao carnaval, expondo o corpo da mulher de forma sexualizada. A pesquisa contribuiu para o entendimento do racismo e da branquitude, mostrando como a construção histórica dos estereótipos raciais/racistas vulnerabilizam, hoje ainda, as mulheres negras.
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ISSN 2764-2135