CRISE MIGRATÓRIA GLOBAL E INVISIBILIDADE LOCAL
Resumo
Há pelo menos uma década o mundo acompanha a intensificação dos fluxos migratórios. Desde eventos mais antigos, como o terremoto no Haiti, em 2010, e a intensificação da guerra na Síria, no ano seguinte, até mais recentes fatos, como a crise venezuelana, um novo terremoto no Haiti e a retomada de poder no Afeganistão pelo Talibã, têm forçado milhares de pessoas ao deslocamento em massa à procura de abrigo em outras pátrias onde paz e esperança pareçam possíveis. Esses fatos sinalizam uma importante mudança no cenário migratório: se, durante os séculos XIX e XX, assistíamos à chegada estimulada pelo Estado de imigrantes europeus nas Américas, hoje recebemos importantes contingentes populacionais recém-chegados de países que se encontram, majoritariamente, em crise. Assim, a migração, enquanto problemática global, produz efeitos locais. A fim de questionar de que modos cidades das regiões dos Vales do Taquari e do Rio Pardo enfrentam essa questão, o projeto de pesquisa Migração e processos de in/exclusão investiga de que formas os municípios têm gestado as vidas migrantes que acolhem. Para tanto, toma-se como materialidade investigativa as matérias legislativas disponíveis nos sites das Câmaras Municipais de Vereadores de Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires e Lajeado, entre 2013 e 2017. A presente escrita caracteriza-se como um recorte da pesquisa e, por isso, refere-se somente aos dados produzidos a partir dos documentos disponíveis no site da Câmara de Vereadores de Lajeado. Estão disponíveis 1.767 matérias legislativas, sendo que destas apenas 02 fazem alusão aos movimentos migratórios recentes. Outros 34 documentos vêm no sentido de cristalizar a migração europeia, uma vez que não há intenção de discuti-la, mas enaltecê-la a partir da nomeação de espaços públicos ou de festas em comemoração à migração. Por outro lado, mesmo iniciativas importantes, como por exemplo um documento que celebra as cidades de Lajeado e Porto Príncipe como cidades irmãs e outro que autoriza o financiamento de uma publicação de uma universidade da região cuja intenção é sensibilizar a população local à inclusão dos migrantes, também podem ser compreendidas como uma tentativa de borramento das diferenças, visto que, quando se tem por um lado a presença de vidas migrantes no município e, por outro, a ausência de investimento público efetivo no sentido de gestá-las, é possível pensar que essas ações apelam vagamente à tolerância. Em outras palavras, o que se destaca a partir dos dados produzidos é a carência de discussões no âmbito legislativo que incluam efetivamente os migrantes na comunidade lajeadense, através de políticas de Assistência Social, Educação, Saúde e Habitação. Os dados corroboram com a noção de que exclusão e inclusão não existem separadamente, mas coabitam espaços. Tem-se como efeito a produção de uma identidade migrante-mitológica no município, relacionada à migração europeia do século XIX: preservando-se determinadas identidades em detrimento dessas identidades outras. Embora os migrantes se constituam como “estranhos” que se fazem presentes e circulam pela cidade, são eles praticamente invisíveis nas agendas da Câmara de Vereadores. Assim, se faz necessário marcar a presença dessas vidas outras a fim de que se tornem visíveis e, portanto, objeto de investimento das políticas locais.
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ISSN 2764-2135