DIMENSÕES DA GASTRONOMIA NO CONTEXTO PRISIONAL: SABERES, TRABALHO E COMIDA PARA A LIBERDADE

Hosana Hoelz Ploia, Lavínia Veiga de Lima, Isadora Maieron de Morais, Everton Luiz Simon

Resumo


A alimentação em complexos prisionais brasileiros representa fatores inerentes ao ato alimentar, sejam estes a nutrição do corpo ou a memória afetiva. A mesma permite o entendimento de relações de poder, o não cumprimento de Direitos Humanos, opressão de sujeitos e deterioração da vida entre as grades, através da comida. O projeto de extensão em Saúde - PRÓ-SAÚDE -, com vinculação ao projeto de pesquisa “Educação, Trabalho e Alimentação: Saberes, Práticas e Políticas em espaços não escolares”, mediatizou a realização de pesquisa participativa e in loco no presídio regional de Santa Cruz do Sul, em atendimento à pedido do Conselho da Comunidade, frente ao alto desperdício de alimentos vigente e carência de saúde pública no espaço carcerário. Devido à desconformidade às constituições legislativas para promoção e acesso à saúde alimentar em complexos prisionais, as ações de extensão realizadas buscaram reverter o cenário de descarte de alimentos oferecidos. Mediante práticas semanais de capacitações, durante o ano de 2019, para melhor produção alimentícia, que envolveram reconhecimento do ambiente de recebimento, armazenamento, pré-preparo e preparo de alimentos, os registros subsequentes, em diário de campo, permitiram a aferição quanto aos saberes dos cozinheiros nas atividades de trabalho em conjunto, assim como os significados da comida para os mesmos. Os dados analisados referem-se às atividades extensionistas presenciais realizadas no ano de 2019. O embasamento bibliográfico  de temas, como o Direito Humano à Alimentação Adequada, os exercícios de poder velados pelos sistemas e veiculados pela comida, o binômio da educação e trabalho, a memória afetiva e comensalidade, proporcionaram  análises críticas do contexto alimentar e denúncia do desprovimento de dignidade aos seres produtores e consumidores dos alimentos: a configuração de exploração trabalhista, pelo caráter exclusivo remidor de pena instituído à produção alimentar no ambiente carcerário, e pela ausência de qualidade, quantidade necessária e sensações positivas da comida ofertada aos/às detentos/as. As atividades desenvolvidas permitiram o desenvolvimento de processos de educação e saúde, ao promover oficinas de práticas higiênico sanitárias quanto ao manuseio e armazenamento dos alimentos para produção da comida servida. Assim, houve o exercício da criatividade dos cozinheiros, e sua percepção quanto à realidade vivida, na qual são protagonistas, no/pelo o trabalho, e produtores não somente de alimentos, como também de saberes da experiência produtiva diária, dos quais são reprodutores. O diálogo da temática do trabalho prisional e da alimentação com a ressocialização foi verificado de modo dualista: a possibilidade do trabalho, enquanto dignificador do homem, proporcionar sua educação e, no caso de apenados/as, a segurança econômica; mas, por que ocorre exploração nas atividades laborais em cárcere, dá-se continuidade ao ciclo de opressão do/a detido/a, pela dependência que o/a mesmo/a é comprometido/a a ter ambos do sistema carcerário e do Estado. Conclui-se, dessa forma, que a alimentação se manifesta como objeto de pesquisa e de extensão, com potencial para estudo dos processos culturais, sociais e econômicos que são inerentes e/ou implicados ao consumo necessário de alimentos. 

Palavras-chave: Alimentação prisional; Direitos Humanos; Trabalho; Saberes; Extensão universitária.

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ISSN 2764-2135