O DISPOSITIVO DEMOCRACIA RACIAL COMO ESTRATÉGIA DE SUBJETIVAÇÃO: UMA ANÁLISE DA OBRA QUARTO DE DESPEJO, DE CAROLINA MARIA DE JESUS
Resumo
Na pesquisa historiográfica contemporânea, ao contrário da tradição positivista refratária às fontes históricas que não fossem oficias e mesmo de Estado, lança-se mão de uma ampla capacidade heurística e analítica. Este é o caso, por exemplo, das fontes orais, processos jurídicos como os criminais, inventários, artefatos materiais e imateriais, pistolas e a literatura, que daremos ênfase nesta pesquisa, cujo o objeto de investigação é a obra literária de Carolina Maria de Jesus, nomeadamente Quarto de despejo: diário de uma favelada, de 1960. Pensar Carolina Maria de Jesus pode levar a uma ampla possibilidade analítica. Com diversas temáticas a serem abordadas, Carolina oportuniza refletir não somente o seu tempo, mas também outros panoramas do cenário sociopolítico brasileiro. Então, considerando as pesquisas atuais sobre a pobreza e as desigualdades sociais, o texto de Carolina continua atual e daí urgência da narrativa. Não só isso, mas ela também possibilita pensar questões de gênero, de raça, de classe, além de questões históricas, geográficas, sociais, políticas, culturais etc., tornando-se importante objeto de pesquisa para diversas áreas do conhecimento. Ter contato com a obra de Carolina é conhecer a realidade na qual se vive, mas que muitas vezes se ignora, e assim poder problematizar não apenas o seu tempo, mas a contemporaneidade, pois seu texto continua reverberando nos nossos desafios sociais atuais.
Esse trabalho tem por objetivo analisar, da perspectiva da biopolítica, os atravessamentos da ideologia da democracia racial, construída a partir dos anos 1930, que pregava a igualdade e equidade entre brancos e não brancos na sociedade brasileira. A análise da obra de Carolina parte dos pressupostos da metodologia qualitativa a partir daquilo que Michel Foucault desenvolveu na sua analítica do biopoder e dos dispositivos de segurança que podem ser problematizados nas práticas discursivas que atravessam a obra de Carolina, aqui considerada materialidade discursiva. Foucault não trabalha o discurso como sendo algo encontrado na autoria do sujeito, mas sim como aquilo que atravessa os sujeitos constituindo-os e nesse sentido os discursos são entendidos necessariamente de forma contextual e histórica. Sendo assim, ao ler o texto de Carolina pensa-se a autora como sujeito posicionado discursivamente em determinado contexto e a partir daí analisa-se como as práticas discursivas emergem em seu texto produzindo sentido no mundo. Como estamos interessados nas questões raciais a partir desta metodologia procura-se compreender como Carolina constitui-se como sujeito racializado, como ela percebe o racismo na sociedade brasileira, se ele se destaca em sua obra como um problema relevante. No livro a autora Carolina Maria de Jesus relata, em forma de diário, o seu dia a dia na cidade de São Paulo, enquanto catadora de materiais recicláveis e moradora da favela do Canindé. Carolina em sua obra nos apresenta experiências, sentimentos e sensações que causam desconforto ao leitor, mas que são indispensáveis para que se tornem cientes e críticos da dimensão de extrema pobreza no país. Por fim, pretende-se então com este trabalho entender como o dispositivo de segurança é capaz de subjetivar Carolina na década de 1950, contexto no qual se percebe a forte influência do falso discurso de igualdade racial na sociedade brasileira.
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ISSN 2764-2135