O MATRIMÔNIO DOS CONTRÁRIOS, EM WILLIAM BLAKE

ROSEANE GRAZIELE DA SILVA, NORBERTO PERKOSKI

Resumo


Considerado um excêntrico, opositor dos dogmas religiosos e sociais vigentes, criador de uma cosmogonia própria, expressa em poemas ilustrados, o escritor William Blake é uma voz emblemática na literatura. Blake fundou sua obra através da incursão na subjetividade humana, sem deixar entrever claramente seus pensamentos. Assim, visando desvendar os traços marcantes de sua poética para encontrar as possíveis relações com a fenomenologia de Gaston Bachelard, apresentamos esse trabalho. Essa análise, de cunho teórico metodológico, incluiu a leitura e estudo de obras bilíngues do poeta, de estudos críticos, além de teorizações bachelardianas - "A poética do espaço" e "A poética do devaneio" -, nas quais se destacam os conceitos de repercussão e ressonância poética. Ao analisarmos as obras de Blake percebemos a negação das dicotomias como um dos traços mais acentuados de sua produção. O poeta afirma: "Não há progresso sem Contrários. Atração e Repulsão, Razão e Energia, Amor e Ódio são necessários à existência humana". Frisando que o mundo é constituído por instâncias opostas, corrobora ideias como a de Humberto Maturana, para quem a dualidade que cinde emoções e cognição é inválida, pois não se constitui separadamente, mas através de uma sobreposição, dado que a tomada de decisões racionais é possibilitada pela existência de emoções. Analogamente, a assertiva do autor encontra adeptos na neurociência, com António Damásio, que ressalta a impossibilidade de tomar decisões acertadas, preservando a vida e o bem estar do sujeito, sem as emoções, e em Bachelard, pensador oposto aos conceitos preconcebidos e dicotômicos em seus poemas mais ilustres, Blake apresenta-se como poeta consciente da penúria em que vivem os trabalhadores, durante o período de industrialização. No poema "O limpa-chaminés" repetido nas duas partes do livro "Canções da inocência" e "Canções da Experiência", o poeta revela a hipocrisia de uma sociedade que tolera o trabalho infantil de meninos na limpeza de chaminés, de onde sairão mortos ou eternamente lesados, impondo a execução incontestável das atividades. Já em "O garotinho negro", a autoaceitação do menino em um mundo no qual branco e negro personificam a bondade e a maldade, o aceitável e o intolerável, oriundos do preconceito, há um fechamento dúbio. Isso porque, conforme Sorbini e Carvalho, sua interpretação pode induzir-nos ao pensamento de que o menino negro estaria mais preparado para proteger a criança branca da luz divina, colocando-o em posição superior, ao mesmo tempo em que a ele seria imposta uma condição servil, de inferioridade. Por fim, "Tygre", poema mais célebre de Blake, revela outra vez, segundo Sorbini e Carvalho, o caráter dual e complementar das coisas, aqui representadas pelo tigre, animal asiático que por ser pouco conhecido dos ingleses, tem o nome grafado com um "y", simbolizando sua conexão com o divino, com o misterioso. No poema, o eu-lírico questiona como um animal tão belo pode ser uma criatura terrível e como o seu criador pôde tê-lo composto, convertendo o texto em uma reflexão sobre a existência humana. Concluímos que romper com as dualidades que simplificam experiências complexas, como a leitura poética, que contém o emocional e os aspectos cognitivos, pode ser crucial em nossa sociedade. A experiência poética em Blake e Bachelard é atividade integradora, que confere uma percepção mais adensada do eu e dos outros, humanizando suas relações e contribuindo em sua formação plena.


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