AÇOITES E GALÉS: A CONDENAÇÃO DO ESCRAVO JOAQUIM

ANGELICA BEATRIZ KLAFKE, ROBERTO RADUNZ

Resumo


Iniciada no século XVI e estendido até fins do século XIX, a escravidão é parte da história do Brasil. Trabalho exaustivo, castigos constantes e outras condições miseráveis acentuavam ainda mais a tensão entre senhores e seus escravos. E isso, muitas vezes, resultava na morte dos proprietários pelos seus cativos. O presente trabalho, vinculado ao projeto "Escravos, senhores e colonos: redes, conflitos e negociações no Vale do Rio Pardo" tem por objetivo analisar um processo-crime que ocorreu no ano de 1819. Nele, o cativo Joaquim, escravo do senhor Francisco Reis Veiga, teria atentado contra a vida de seu amo usando uma faca. Segundo consta no processo, foram seis facadas na garganta, já que o réu disse no processo não saber ao certo quantas foram. O crime aconteceu no dia 22 de julho de 1819, enquanto o senhor estava castigando o acusado. Ele havia recebido ordens para ordenhar uma vaca, porém, apenas encontrando os bois, retornou para dar parte disso. Recebeu então ordem de voltar e procurar, mas não a encontrou. Com isso, o senhor passou a castigá-lo e, nesse ato, o cativo Joaquim teria pego uma faca e partido em direção a Francisco Reis Veiga. O motivo alegado pelo réu para justificar o crime foi que seu senhor o estava castigando constantemente. A base empírica desta pesquisa é composta pelo processo-crime número 86, pertencente ao maço três da estante 33, localizado no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS) e pela legislação que vigorava no período. Os primeiros procedimentos do processo, como a realização do Auto de Prisão de Hábito e Tonsura, foram realizados na Vila de Rio Pardo. De 07 a 20 de setembro de 1819 foram inquiridas as testemunhas, as quais somaram um total de 30. Grande parte delas, ao ser questionada sobre o que sabia a respeito da morte de Francisco Reis Veiga, disse que não sabia nada ou apenas que havia ouvido falar que fora o escravo desse mesmo senhor que o havia matado a facadas. Mais tarde, o processo foi encaminhado para a Junta de Justiça de Porto Alegre, única que podia dar procedência aos julgamentos da época. Dando então ali seguimento ao processo, a condenação referida ao réu Joaquim foi a de ser "castigado com mil açoites seja degradado por toda a vida para as galés nas obras públicas desta província, e mais pague às custas". Os crimes cometidos por escravos contra seus senhores normalmente eram castigados de forma exemplar, ou seja, com enforcamento. Percebe-se nesse final do período colonial, provavelmente sob influência dos novos ideais, uma postura de abrandamento da pena, nesse caso, com os açoites e as galés perpétuas onde o escravo se transformava em cativo do estado. Em outro caso analisado nessa pesquisa (APERS: processo-crime número 102, maço 04, estante 33, de 1820) no mesmo período e região, a pena de enforcamento foi comutada ao exercício de carrasco, ou seja, outra função pública. Serão necessários outros estudos para se perceber se, de fato, nesse momento pré-independência, houve uma postura diferenciada em relação às penas por crimes homicídios cometidos por escravos contra seus senhores.


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