TRABALHO, CONSUMO, CIDADANIA E O CRACK NA ATUALIDADE: RELAÇÕES DE MÚLTIPLOS SENTIDOS

BRUNA ROCHA DE ARAUJO, GIÓRGIA REIS SALDANHA, DULCE GRASEL ZACHARIAS, EDNA LINHARES GARCIA

Resumo


Este trabalho apresenta reflexões a partir de alguns dados da pesquisa "A realidade do crack em Santa Cruz do Sul", desenvolvida desde 2010 pela Universidade de Santa Cruz do Sul/UNISC e com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Entrevistas semiestruturadas foram realizadas com 100 usuários de crack e 100 familiares de usuários de crack, contatados através de serviços de saúde. A análise qualitativa das entrevistas tem base na metodologia de análise dos sentidos produzidos no cotidiano (Spink, 2000). Este ano vem sendo realizada a análise dos sentidos presente nas entrevistas dos familiares, que apontam a impossibilidade de simplificação da problemática do uso e abuso de crack e outras drogas, pois são múltiplas as dimensões da vida destes sujeitos (subjetivas, familiares, sociais, culturais, econômicas, etc) implicadas na relação de dependência que os usuários estabelecem com o crack. Destacaremos alguns questionamentos relativos ao mundo do trabalho, a partir dos sentidos produzidos nos discursos dos familiares, de onde emerge a problemática do esvaziamento afetivo nas relações humanas e o trabalho se apresenta na contramão de se constituir como fator de gratificação, de reconhecimento para cidadania, construção identitária e de fortalecimento das relações sociais. Ressaltamos que a pesquisa acessou familiares, em geral, de classe econômica média baixa, 82% mulheres; 50% tinham grau de escolaridade de ensino fundamental incompleto; 61% eram casados ou estavam em uma união estável, dentre os quais 56% responderam a pesquisa por terem filhos(as) usuários(as) de crack. A vida ocupacional dos familiares é marcada pelo subemprego e/ou desemprego, precarização das relações e direitos trabalhistas; os sentidos produzidos nos discursos apontam que suas experiências profissionais não constituem vias possíveis de formação identitária, de realização pessoal e de cidadania. Na organização de vida do mundo capitalista, constituído por desigualdades e exclusões sociais, o consumo é meio de acesso a bens e serviços, garantia dos direitos sociais, constituinte do sentido de cidadania e meio de participação social. O trabalho media o poder de compra, do qual decorre o sentimento de pertença e adequação à sociedade, de acesso à cidadania. Essas relações evidenciam formas de subjetivação na atualidade, em que a desigualdade contribui para o funcionamento social competitivo, perpassado pela precariedade das relações, esvaziamento afetivo, fragilização dos vínculos sociais e familiares - realidade que pode tornar os sujeitos mais suscetíveis às problemáticas sociais, como exemplo, a dependência do crack. Os sentidos presentes nos discursos dos familiares evidenciam que o distanciamento afetivo, a falta de comunicação e de pensamento crítico entre os familiares e os usuários de crack, constitui uma realidade vivenciada antes mesmo do uso da substância. Concluímos que esta realidade social e familiar está marcada pelo paradoxo: se, de um lado, o não consumo significa exclusão social, de outro lado, o consumo "desenfreado" implica numa relação de dependência estabelecida com "objetos de desejo". O crack pode ser tomado como o objeto que melhor responderia a máxima social do consumo, contudo implica de imediato uma condição alienante por inibir o pensar e exacerbar o valor da satisfação imediata.


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