OS DESAFIOS DA INTERPRETAÇÃO DO ROMANCE METAFICCIONAL CORDILHEIRA, DE DANIEL GALERA

BIANCA CARDOSO BATISTA, EUNICE TEREZINHA PIAZZA GAI

Resumo


O presente estudo vincula-se ao projeto de pesquisa Narrativas e conhecimento: especificidades teóricas e constituição de sentido, coordenado pela Prof.ª Dra. Eunice Terezinha Piazza Gai. O projeto tem como eixos centrais a reflexão sobre as possibilidades de relação entre narrativas literárias e conhecimento, a realização de estudos sobre a hermenêutica e a leitura, a análise e a interpretação de narrativas literárias. Estas são selecionadas a partir da presença da metaficção e da ironia. A hermenêutica é um processo de interpretação que, segundo Bosi, consiste num olhar mais intenso e demorado sobre a obra, ou seja, trata-se do procedimento de compreensão que capta o mais puro significado do texto. Após a reflexão deste conceito e a leitura de várias narrativas ficcionais, é necessário realizar a escolha de uma delas para intensificar os estudos e a interpretação. Considerando esse processo, Daniel Galera foi o autor escolhido, com o livro Cordilheira. O enredo conta a história de Anita, uma jovem escritora brasileira, que, ao publicar e obter um gigantesco sucesso com seu primeiro livro renega-o e admite detestar a obra. Com a perda do pai, o suicídio da melhor amiga e o término recente de um relacionamento amoroso, Anita decide abandonar o que promete ser uma brilhante carreira literária para seguir o sonho de ser mãe. Motivada a recomeçar, viaja a Buenos Aires e lá conhece e se envolve emocionalmente com Holden, um misterioso fã argentino que adora a personagem principal de seu livro Magnólia. A obscuridade de Holden se torna ainda mais acentuada quando ela descobre que ele e seus amigos, todos escritores, fazem parte de uma seita secreta cuja ideologia se baseia em viver através da literatura: eles recriam a vida dos personagens de suas narrativas, apropriando-se das características de sua personalidade e objetivos de vida. Ao observar o texto sob uma ótica hermenêutica, nota-se uma particularidade do mesmo: a metaficção, outra linha do grupo de pesquisa. A metaficção, segundo Linda Hutcheon, é uma ficção sobre ficção, ou seja, uma narrativa que aborda em seu enredo, outra obra. Ao analisar o livro Cordilheira, percebem-se vários segmentos em que este recurso se evidencia. Já nas primeiras páginas o autor revela a primeira ficção dentro da narrativa: o romance escrito por Anita. Nos capítulos seguintes, o autor, ao descrever e contar a história dos amigos de Holden, apresenta fragmentos das obras que eles escreveram. Nestes momentos, ficção e realidade se misturam dentro do romance. Ao simplesmente correr os olhos sobre o texto, o leitor não teria a real interpretação do mesmo. Ele não compreenderia, de fato, o que o autor quis dizer. Contudo, ao interpretar o enredo literário de forma crítica, levando em consideração os conceitos estudados, percebe-se que a obra agrega conhecimento à narrativa, já que o leitor busca um sentido no texto. É o desejo de traduzir o texto que desencadeia a produção de conhecimento. Em síntese, a presença da metaficção evidencia uma singularidade da natureza literária: O leitor possui uma relação íntima com a literatura baseada num compromisso mútuo. A literatura se apresenta supérflua ou mesmo sem sentido para o leitor desatento que, ao não conseguir decifrá-la, poderá sentir desdém ou até desprezo. Entretanto um leitor dedicado, que se propõe a ouvir a narrativa, recebe como recompensa uma obra verdadeiramente complexa, e sentirá fascínio em desvendar as minúcias e abismos que a impregnam.


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