A representação da figura feminina tem se destacado nos âmbitos acadêmico e literário, a partir da consolidação da crítica feminista, a qual possibilitou um novo olhar em relação às questões de gênero na literatura e na cultura. Considerando o fato de que as obras literárias, por vezes, reproduzem muitos dos valores patriarcais, torna-se bastante relevante problematizar os estereótipos de gênero e oferecer uma nova abordagem em relação às figurações do feminino e do masculino, especialmente em uma obra destinada aos jovens. Como explicitaremos neste estudo, é com o enfoque na formação da mentalidade de uma nova geração de leitores que poderemos constituir a possibilidade de uma mudança na estrutura conservadora do campo literário que tanto reflete o pensamento cultural da sociedade. Levando em conta tais questões, o presente trabalho busca explorar como se constrói a figura feminina e como esta se insere na narrativa contemporânea juvenil a partir da personagem Katniss Everdeen, protagonista da obra Jogos Vorazes, da autora estadunidense Suzanne Collins. Em outras palavras, pretende-se retratar a forma singular como a imagem da personagem citada é construída, contrapondo-a ao retrato também incomum do personagem masculino Peeta Mellark. Assim sendo, este estudo investiga como a inversão de papéis, exercida pelas referidas personagens, pode subverter os estereótipos sustentados pelo imaginário patriarcal, a partir da construção de uma imagem distinta do modelo sociocultural estabelecido. O trabalho, elaborado através de uma análise interpretativa e hermenêutica, baseia-se em referências bibliográficas sobre as teorias da narrativa e da crítica feminista. Esta primeira se realiza a partir do trabalho de Mieke Bal que aborda conceitos sobre a elaboração das personagens. Quanto à crítica, temos como referência os trabalhos de Alison M. Jaggar, Joan C. Tronto e Michelle Perrot. Fundamentado nestas ideias, nosso estudo procura explicar, demonstrando através da construção das personagens anteriormente mencionadas, como o texto de Collins desestabiliza os modelos patriarcais. Com base na leitura crítica da obra, constatamos que essa inversão de papéis é elaborada a partir das características atribuídas às personagens Katniss e Peeta. Nessa perspectiva, a protagonista feminina, apresentada como extremamente racional, exerce o papel de provedor da família, comumente atribuído aos homens, além de ser simbolizada como uma guerreira. Em contraposição, temos o personagem masculino apresentado de forma frágil e sentimental, preocupado com o cuidado particular de cada membro de sua família, e a quem é atribuído o pensamento guiado pelo aspecto emocional e o interesse amoroso. Ambos os retratos divergem do arquétipo relacionado aos papéis femininos e masculinos na maioria das obras literárias. A literatura direcionada aos jovens adultos tem a capacidade de incentivar a percepção que estes constroem em relação à sociedade que os cerca. Leituras como a de Jogos Vorazes contribuem na formação e crescimento de gerações jovens, problematizando padrões patriarcais tão presentes na sociedade contemporânea, fazendo com que esses leitores absorvam diferentes perspectivas em relação ao comportamento de figuras masculinas e femininas. A compreensão e aceitação de que os papéis podem ser invertidos é construída a cada virar de página e jovens formadores de opinião são guiados para muito além dos capítulos da obra.