ESCRAVOS NA POVOAÇÃO DE SANTA CRUZ: O CASO DE LUCAS E MARIA

GUILHERME WURDIG SPINDLER, ROBERTO RADUNZ, OLGARIO PAULO VOGT

Resumo


A colonização no Rio Grande do Sul começou em São Leopoldo, incentivada pelo Império a partir de 1824. Esse empreendimento objetivava criar colônias para abastecerem os centros urbanos, sobretudo Porto Alegre. A imigração alemã para o Vale do Rio Pardo iniciou a partir da metade do século XIX, em regiões consideradas pela província como terras devolutas, e, portanto, passíveis de receberem imigrantes para ocuparem esses territórios. Santa Cruz foi uma das primeiras colônias provinciais, sendo limítrofe a uma das principais áreas escravistas do Brasil meridional. A chegada desses europeus se deu no contexto da aprovação da Lei de Terras de 1850 que, entre outras coisas, proibia esses colonos de rotearem suas terras com mão de obra escrava. Em um pronunciamento oficial (Arquivo Histórico Municipal de Rio Pardo; Códice de 1850; 2º tomo; p. 285) sobre escravos na colônia foi lembrada, por uma autoridade provincial, uma cláusula na qual "não se admittem escravos nas Colonias, e se algum Colono por qualquer motivo legal vier a ser Snr. de hum escravo, sera obrigado a dispor delle de qualquer modo, com tanto que não o tenha na sua nem em diversa Colonia. Os escravos que forem aprehendidos dentro das Colonias e se conhecer que pertencem a algum Colono, serão logo tirados para fora d'ellas, vendidos em outro lugar". O objetivo dessa comunicação é analisar um processo crime em que dois proprietários de cativos, de origem alemã - Schirmer e Graeff, têm seus nomes arrolados num homicídio envolvendo escravos de sua propriedade, trazendo à tona a questão da escravidão numa das mais proeminentes colônias desse período. Essa comunicação faz parte do projeto "Senhores, escravos e colonos: redes, conflitos e negociações no Vale do Rio Pardo". Em termos metodológicos, o processo em questão (APERS: Civil e Crime. 1876, N. 4776, M. 96, E. 50) foi digitalizado e posteriormente transcrito, mantendo-se a grafia da época. Além disso, foi feita uma revisão da literatura a respeito do tema. A transcrição evidencia um crime, no qual o escravo Lucas, jornaleiro, foi acusado de matar a escrava Maria, quitandeira. Esta residia na povoação de Santa Cruz, na Rua Rio Pardinho, "no terreno sob o numero nove; na quadra 'U'". Hardy Martin (1979) afirmou que em Santa Cruz "não havia escravos; o trabalho era igual para todos". O presente trabalho busca questionar essa afirmação. Parafraseando Moreira e Mugge (2014), "há relativamente pouco tempo, uma historiografia comprometida com as identidades municipais e familiares embasadas em ancestralidades (principalmente germânicas), negava a presença histórica negra nestas zonas" (p. 85). Ainda no livro de Hardy Martin, nas páginas 106 e 107, há uma tabela da população de Santa Cruz em fevereiro de 1856. Nela, é possível constatar a presença de 10 escravos no Faxinal (área do povoado) e mais 3 escravos na Picada Rio Pardinho. Em termos de resultados parciais, constatamos que, apesar da proibição aos colonos de possuírem escravos, o mesmo não acontecia no povoado, onde residiam pelo menos alguns cativos, como é o caso de Lucas e Maria, existindo certamente muitos outros. Concluindo, a documentação comprova: que mesmo na área colonial oficial, haviam escravos, embora eles não fossem da propriedade de colonos; que não era proibido aos alemães que viviam fora da colônia oficial possuírem escravos; e que no entorno da colônia haviam muitos proprietários com cativos.


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