“PARA EXEMPLO DOS QUE PRETENDEREM IMITÁ-LO E SATISFAÇÃO DA SOCIEDADE OFENDIDA”: A PENA CAPITAL APLICADA AO PRETO MANOEL

Luiz Henrique Eidt, Olgario Paulo Vogt, Roberto Radunz

Resumo


A escravidão no Brasil tem sido analisada pelos historiadores de múltiplas formas. Dentre as abordagens historiográficas mais recentes estão aquelas que percebem no cativo um sujeito de seus atos. Uma das formas de resistência ao cativeiro foi a fuga e a formação de quilombos. O mais famoso refúgio escravista ocorreu no Nordeste brasileiro e esteve associado ao nome de Zumbi dos Palmares. No Sul do Brasil foram também consideráveis os esconderijos de escravos.  A presente comunicação analisa o processo crime do escravo aquilombado de nome Manoel, que foi enforcado em praça pública em maio de 1835 na vila de Caçapava por ter assassinado Manoel Elias de Morais. Metodologicamente procedeu-se da seguinte forma: a) inicialmente o processo crime foi localizado no APERS (Arquivo Público do RS) e digitalizado; em um segundo momento o processo, em virtude da escrita cursiva da época, precisou ser devidamente transcrito; após, amparado em uma bibliografia, procurou-se interpretar o caso. Para tanto, recorreu-se ao historiador inglês Edward Thompson e a micro história italiana. A escolha de uma microrregião para averiguar questões de conteúdo mais amplas e a análise microscópica possibilitaram verificar situações não perceptíveis na escala macro. A fonte primária é um documento de 76 páginas integrado por corpo de delito, inquirição das cinco testemunhas, condenação do cativo por júri popular e execução do apenado. Manoel era um cativo preto, de propriedade de Manoel Veríssimo Esteves da Fonseca, natural da vila de São Carlos, Província de SP, de 20 anos, que a mais de um ano, com outros parceiros(as) encontrava-se fugido e embrenhado nas matas. O grupo alternava sua permanência em dois quilombos existentes nas matas das terras de Joaquim Elias de Morais e de Olivério Ortiz, localizadas no interior da vila de Caçapava. Além da caça e da prática de uma agricultura de subsistência, os quilombolas também faziam pequenos furtos nas redondezas, se apropriando de mulas, latas de banha, vestimentas, etc. Visando capturar os aquilombados, foi realizada uma diligência aos locais por dois guardas municipais e pelo fazendeiro Joaquim E. Morais. Quando estavam perto de um dos quilombos, foram surpreendidos por um tiro de trabuco disparado pelo preto Manoel.  O disparo acertou o fazendeiro no coração, provocando sua morte súbita. O cativo foi capturado e levado à cadeia da vila. O processo acusatório foi aberto pelo juiz de paz de Caçapava, Ricardo Jose Magalhães Filho, que procedeu à formação inicial da culpa. Posteriormente, o juiz de direito, Rodrigo de Souza da Silva Pontes, da Comarca de Rio Pardo, assumiu o caso e o levou a júri popular. O corpo de jurados, integrado por 12 cidadãos, sentenciou, em 4 de novembro de 1835, o réu a pena de morte por enforcamento pelo assassinato cometido. Em 6 de maio de 1835, o preto Manoel foi executado em praça pública após ter sido conduzido pelas ruas da vila e assistir missa na capela da freguesia. Um dia após, seus restos mortais foram levados ao cemitério da vila. Conclui-se que a sentença de morte presenciada pela população tinha um caráter pedagógico. O ato deveria servir de exemplo para os demais escravos para que fosse mantida a ordem escravista. Outra constatação feita é que os quilombos não tinham como sobreviver em completo isolamento. Os aquilombados contavam com redes de cooperação e solidariedade integrados por outros cativos e por pessoas livres com quem faziam trocas, ai incluindo a prestação de serviços.


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