MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO E A EPISTEMOLOGIA DA REGULAÇÃO DAS “MASSAS”

Ruander Cezar Alves, Cheron Zanini Moretti

Resumo


O presente trabalho apresenta resultados iniciais desenvolvidos a partir de uma pesquisa vinculada à iniciação científica, tendo por objetivo geral identificar elementos que evidenciam uma “epistemologia da regulação das massas”, presente nas cartilhas do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). A pesquisa utiliza o método qualitativo através de análise de imagens e conteúdo das mesmas. O recorte planejado refere-se ao período entre 1969-1974, durante o governo do General Emílio Médici, ápice da censura e repressão aos movimentos sociais populares. No Brasil, na segunda metade do século XX, o analfabetismo emergiu como uma espécie de “doença” a ser erradicada. É nesse contexto que surgem as campanhas de alfabetização. A história da Educação de Jovens e Adultos pode ser dividida em três fazes: a primeira compreende os anos de 1946 a 1958, quando foram organizadas as campanhas nacionais de alfabetização de caráter oficial, com o objetivo de “erradicar o analfabetismo”; a segunda, de 1958 a 1964, foi marcada pela ideia de um programa permanente para enfrentar o analfabetismo, que levou à criação do Plano Nacional de Alfabetização de Adultos, coordenado por Paulo Freire e extinto pelo Golpe Militar. Na terceira, o governo militar desenvolveu a Cruzada ABC e o MOBRAL. A análise documental das cartilhas, evidenciou que os símbolos enfatizam as questões referentes à comunidade, representando o ambiente urbano como desenvolvido e o campo como atrasado; à nação, com representações do exército e a frequente utilização da palavra “ordem”; e a consolidação de hábitos e atitudes referentes a família, dentro da lógica da cultura patriarcal. Exemplos disso são constatados na cartilha “Luís e Maria”, de 1973, que tem por proposta alfabetizar contando uma história de um casal “que é gente como a gente”, o material explora o cotidiano, valorizando a família tradicional, regulando hábitos relacionados ao trabalho e sua divisão patriarcal, naturalizando o papel da mulher como cuidadora das crianças e responsável pela casa, além do papel do homem do campo como trabalhador, analfabeto e atrasado. O material foi produzido desconsiderando diferenças regionais, desumanizando os/as educandos/as. Há indícios de uma epistemologia reguladora, que tinha por objetivo a doação da técnica da decodificação, do estado para os seus “clientes”, assim chamados pelo próprio programa. Os materiais didáticos foram um dispositivo bastante utilizado para transmissão da ideologia do regime, distribuídos gratuitamente para todos os/as mobralenses e educadores/as. Com função subjetiva, os materiais exerciam o controle ideológico na tentativa de eliminar qualquer possibilidade de resistência ao regime autoritário e emancipação dos sujeitos. Os resultados parciais da pesquisa apontam que o Mobral serviu como elemento de regulação das massas empobrecidas, privilegiou uma epistemologia reguladora “bancária” em detrimento de uma epistemologia crítica e contribuiu para aprofundar a crise educacional no país, pois os cursos propiciados pelo programa não contribuíam para que houvesse efetiva emancipação dos “alfabetizados”. Diante disso, a regulação se deu no campo simbólico, nas entrelinhas do conteúdo dos materiais didáticos, pois encontramos a visão do campo como atrasado, e do urbano como desenvolvido, além da consolidação de hábitos da cultura patriarcal.


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