“RESPONDEO ESTÁR SAPTISFEITA”: O CASO DA PARDA AMBRÓSIA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NO CONTEXTO DE ESCRAVIDÃO E LIBERDADE

Cícero Augusto Richter Schneider, Mozart Linhares da Silva

Resumo


Durante o último século do regime escravista no Brasil, vários foram os casos de denúncias ocorridas contra senhores de escravos, com a acusação de terem cometido o crime de escravização ou re-escravização de pessoas libertas ou nascidas de ventre livre. Processos criminais com tal desenrolar foram muito comuns na região da fronteira entre o Império do Brasil e o Estado Oriental do Uruguai. Em um desses casos, ocorrido em Jaguarão no ano de 1858, uma cativa chamada Floripa (cujo nome real, durante o processo, foi revelado ser Ambrósia, nascida no Estado Oriental), supostamente escravizada ilegalmente por Antonio Nogueira de Oliveira, ao ser inquerida sobre sua situação, disse não saber que era escrava por nunca ninguém lhe ter dito, e que estava satisfeita com sua situação. Este trabalho tem por objetivo realizar uma análise da dinâmica do regime escravista, no que concerne à oposição entre a escravidão e a liberdade, e da forma como eram constituídos o sujeito e a identidade do cativo no âmbito dessa dinâmica. Para a realização deste trabalho, foi feita a digitalização (por meio de fotografia, realizada previamente ao período de atuação do bolsista) e a transcrição do processo-crime número 2393, o caso das pardas Maria Benedita e Ambrósia, proveniente do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS). Após essa primeira etapa, o documento foi analisado em seu contexto, dando ênfase ao discurso da cativa Ambrósia, e comparado com casos já estudados anteriormente. Na fase atual da pesquisa, estão sendo feitas leituras sobre a escravidão em geral, (com uma ênfase no cenário da fronteira, onde ocorre o processo, e nas questões de legislação daí provenientes), sobre a dinâmica da oposição escravidão-liberdade e a construção do sujeito, voltada a esse aspecto. A pesquisa bibliográfica é feita paralela à análise do documento, sendo relacionada com os dados do processo-crime. No presente momento, a pesquisa conta com resultados parciais. Foi possível constatar, primeiramente, a presença do desconhecimento da parda Ambrósia (em semelhança com outros cativos retratados em processos-crime e na literatura) de sua possível condição de liberta, confirmada na finalização do processo. Com isso, é possível estabelecer uma ampla reflexão sobre a escravidão e a liberdade, e sobre a forma como o sujeito se posiciona dentro desse âmbito, como no caso de Ambrósia. Foi possível constatar que os cativos, em vários momentos, desconheciam detalhes de sua própria procedência, não sabendo ou ignorando que fossem nascidos de ventre livre ou que seus pais teriam, de alguma forma, conseguido sua liberdade. Essa forma de constituição do sujeito do cativo leva, muitas vezes, à compreensão do cativeiro como algo normal, que sempre foi dessa forma. Assim, em algumas situações, declaravam-se satisfeitos com sua condição, como no caso de Ambrósia. Além disso, também foram ressaltadas as complexas e dinâmicas relações de fronteira, tendo por base a legislação vigente e as acusações de crime de escravização e re-escravização, muito comuns no cenário fronteiriço entre o Império do Brasil e o Estado Oriental do Uruguai. Ao final do processo, Antonio Nogueira de Oliveira foi liberado, tendo a acusação de re-escravização sido considerada improcedente. Ambrósia e Maria Benedita foram, por fim, libertadas.


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